1. CONHECENDO O BÁSICO
Por muito tempo, o ato administrativo representou um exercício unilateral, imperativo e autoexecutório da vontade dos gestores públicos. Tal concepção, cunhada em um momento histórico em que a interação entre a Administração Pública e os particulares era mais rígida e pontual, sustentava a ideia de que o Estado teria a prerrogativa de modificar a esfera jurídica do particular independente de sua concordância. Contudo, na medida em que a sociedade se complexificou, a noção do ato administrativo teve de evoluir. O avanço do Estado sobre diversos âmbitos da vida social, seja na provisão ou regulação de diversos serviços público, exigiu uma reformulação das concepções inflexíveis e heterônomas do ato administrativo.
Para fazer jus às novas funções e finalidades estatais, o ato administrativo assume novas bases. Entre as mudanças que ocorrem acerca de sua concepção, três delas importam especialmente para a discussão que será proposta nesta aula.
A primeira diz respeito ao abandono da ideia de que o ato é uma decisão isolada, baseada na legalidade estrita ou em um mérito administrativo incontrolável. Ao contrário, o ato é parte de um processo mais amplo de formação da vontade administrativa, permeado pela transparência, participação e motivação. diz respeito ao foco no processo de edição e justificação do ato. Ou seja: ganham evidência as razões, informações e aos fundamentos jurídicos considerados pela Administração Pública na formação de sua decisão. Com efeito, a legislação passou a impor deveres formais de motivação adequada na atividade administrativa, a exemplo do art. 50 da Lei nº 9.784/1999.
A segunda decorre do influxo pragmático sofrido pelo direito administrativo nas últimas décadas. Se antes a aplicação do direito administrativo se amparava em idealizações e valores indeterminados – como a própria ideia de interesse público –, atualmente, enfatiza-se a importância da consideração de consequências práticas das ações e decisões administrativas, bem como os fundamentos concretos que a motivaram. As abstrações e opções ideológicas, antes aceitais como base para a aplicação do direito administrativo, são substituídas por fatos, dados e os efeitos práticos de uma determinada decisão.
A terceira se relaciona à perda de centralidade do ato administrativo enquanto instrumento de intermediação da relação entre a Administração e os particulares. Formas mais compositivas e dialogadas de solução, tais como os contratos e acordos administrativos, tornam-se cada vez mais presentes em diferentes esferas da ação estatal. Com a consensualidade, aproximam-se a ação administrativa e seus receptores, permitindo que a solução de problemas públicos seja alcançada não por um juízo unilateral da Administração Pública, mas pela colaboração entre os envolvidos.
A vantajosidade surge, nesse contexto, como um critério de justificação criado para dar legitimação à atividade consensual administrativa. De acordo com a jurisprudência, a análise de vantajosidade funcionaria como um parâmetro para o exercício da autonomia negocial da Administração Pública na celebração de negócios jurídicos administrativos, como contratos e acordos.
Ocorre que, mesmo que esteja integrada aos movimentos contemporâneos do direito administrativo, a vantajosidade ainda enfrenta desafios em sua significação e operacionalização. Afinal, como aferir, em concreto, a vantajosidade de uma determinada decisão? E quando um acordo, embora represente uma solução adequada para o caso, desafia o velho dogma do interesse público? A vantajosidade do negócio deve ser avaliada também em relação ao particular que com ela acorda, ou apenas à Administração? Para quem os acordos podem – e devem – ser vantajosos?
Ponderar sobre essas questões é um dos desafios, nada triviais, que enfrentamos ao lidar com esse tema na prática. Vejamos alguns exemplos disso adiante.
2. CONECTANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA
A análise de vantajosidadetem se consolidado como critério de justificação e legitimação dos negócios jurídicos celebrados pela Administração Pública. Orientando-se por esse parâmetro, o Poder Público deve demonstrar, a partir de elementos concretos, que determinada solução obtida junto com o particular é a mais eficiente para o alcance das finalidades pretendidas em um caso concreto, justificando-a como a mais vantajosa entre outras alternativas à sua disposição.
Por esse caráter concreto da avaliação de vantajosidade, tem se destacado os esforços jurisprudenciais de definição do termo. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal de Contas da União (TCU), em especial, têm tido importante papel na definição de vantajosidade em casos relevantes relacionados aos setores de concessões e infraestrutura, no qual contratos e acordos estão em constante discussão e adaptação. Vejamos, adiante, alguns exemplos disso.
STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.048
Rel. Min. Alexandre de Moraes
(Plenário, j. 13.05.2024)
“O Senhor Ministro Gilmar Mendes: (…) Entendo que, do ponto de vista do controle de constitucionalidade da norma, não compete ao Supremo Tribunal Federal perquirir o mérito da decisão administrativa de prorrogação dos contratos vis a vis a realização de novos procedimentos licitatórios em situações concretas. As avaliações nesse sentido devem ser desempenhadas pelo próprio Poder Concedente, em alinho com os órgãos de controle da Administração Pública.
A atuação do Judiciário, a seu turno, deve estar adstrita ao exame de compatibilidade do quadro legal aos preceitos constitucionais, análise que aqui se desenvolve em um plano abstrato de validação do instituto da prorrogação antecipada tal qual delineado na Lei Federal n. 13.448, de 5 de junho de 2017, na Lei Estadual n. 16.933, de 2019, do Estado de São Paulo e nos decretos estaduais impugnados.
A partir das premissas aqui fixadas, é possível concluir que os decretos impugnados são compatíveis com os princípios constitucionais da Administração Pública que regem a prorrogação das concessões, sob as seguintes balizas: exigência de licitação prévia e da vinculação ao instrumento convocatório; prorrogação por prazo não superior ao originalmente admitido; discricionariedade da prorrogação, e vantajosidade da prorrogação antecipada para a administração.
A vantajosidade da prorrogação, no entanto, parece ser o ponto de divergência entre meu voto e o voto da relatora, razão pela qual irei nele me aprofundar.
No caso concreto, o Estado de São Paulo apresenta memoriais no qual afirma que as medidas questionadas foram “fundamentadas na legislação de regência e em robustos estudos técnicos e financeiros, significaram evidente economia de recursos orçamentários e manifesta melhoria na qualidade do serviço público prestado à população”.
Como manifestei em meu voto na ADI n. 5.991, entendo caber aos órgãos e entidades técnicas envolvidas no processo de análise dos pedidos de prorrogação antecipada, examinar a conveniência e a oportunidade da prorrogação, levando em conta, inclusive, a adequação e a qualidade do serviço prestado.
Assim como a lei federal, a lei estadual condicionou a decisão da administração a “estudo técnico que fundamente vantagem da prorrogação do contrato de parceira em relação à realização de nova licitação para o empreendimento” (art. 7º).
Os decretos estaduais que prorrogaram antecipadamente a concessão com a empresa METRA parecem ter atendido ao requisito em questão.
Conforme Nota Técnica do Departamento de Monitoração da Qualidade Operacional – DMQ (NT-DMQ-003/2022), foram realizados diversos estudos técnicos que apontaram a vantajosidade para administração diante da contrapartida proposta, especialmente considerando o histórico e a qualidade dos serviços de transporte prestados na região.
(…) Tendo em vista também esse quadro fático, não vejo violação ao princípio da licitação na prorrogação antecipada pelos decretos impugnados. Entendo que a assunção de novas obrigações de fazer para investimento em malhas do interesse da Administração Pública não desfigura o objeto do contrato de concessão original. Sendo o contrato de concessão um acordo bilateral que opera no interesse da Administração Pública, nada impede que, de forma acessória à obrigação principal de prestação adequada do serviço dentro da malha licitada, sejam também pactuadas novas obrigações”.
No caso, a discussão sobre a noção de vantajosidade refere-se a prorrogações antecipadas de contratos de concessão do serviço de transporte coletivo, autorizadas pelos Decretos do Estado de São Paulo nº 65.574/2021 e nº 65.575/2021. O STF foi provocado a apreciar a constitucionalidade dos decretos, decidindo, por maioria, declará-los constitucionais, nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes.
Ocorre que, para a corte, a mera conformidade com a Constituição dos permissivos legais não seria condição suficiente para justificar a prorrogação dos contratos de concessão em questão; a escolha pela prorrogação, e não pela realização de nova licitação (ou de outras alternativas potencialmente vislumbradas pela Administração), dependeria de uma análise da vantajosidade dessa opção.
Ainda que não avance nessa análise, sob a justificativa de que não caberia ao Judiciário avaliar o mérito da vantajosidade na prorrogação, o Ministro Gilmar Mendes propôs alguns parâmetros que podem guiar essa avaliação. Para ele, a conveniência e oportunidade da prorrogação deveria levar em conta a adequação e a qualidade do serviço prestado, bem como a contrapartida mais benéfica à Administração. Em relação aos contratos do Estado de São Paulo, o Ministro afirmou que os órgãos e entidades técnicas envolvidas haviam comprovado a vantajosidade da prorrogação por meio de estudos técnicos e financeiros, que demonstraram que a referida opção seria a mais econômica e adequada para a prestação do serviço público em questão.
Note que, ao formular os contornos de uma análise de vantajosidade, o STF enfatiza a importância de justificá-la a partir de parâmetros concretos, de ordem técnica.Em alguns casos, o Supremo recomenda a elaboração de Análise de Impacto Regulatório – AIR para a avaliação da vantajosidade na prorrogação contratual ou relicitação de contratos, como meio para considerar diferentes cenários alternativos, em vista da atração de investimentos e do atendimento aos princípios norteadores dos serviços públicos, como a modicidade tarifária, eficiência, modernização da infraestrutura e qualidade e universalidade da prestação do serviço. Vejamos o caso abaixo.
STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.497
Rel. Min. Dias Toffoli
( j. 13.06.2024)
“O Senhor Ministro Gilmar Mendes: (…) “sendo a prorrogação uma subespécie daquilo que a doutrina cunhou de “prorrogação por interesse público”, o princípio da eficiência demanda que o Poder Concedente coteje as relações de custo-benefício entre a realização do alongamento contratual ou a realização de um novo procedimento licitatório.
Desse modo, além de discricionária, a decisão da Administração Pública de realizar a prorrogação dos contratos deve sempre refletir o critério da vantajosidade. Esse requisito decorre diretamente do texto constitucional, ainda que a lei específica setorial não o preveja expressamente.
No caso específico da prorrogação, mesmo diante da autorização legislativa reputada como válida, o Poder Concedente terá sempre que examinar, em cada concessão in concreto, qual a conveniência e oportunidade da Administração Pública em realizar a prorrogação vis a vis a promoção de um novo procedimento licitatório.
(…) Esse exame ocorre principalmente a partir da elaboração de Análises de Impacto Regulatório (AIR) pelos órgãos da Administração Pública, projetando os possíveis cenários alternativos para atração de investimentos, com base em critérios como modicidade tarifária, eficiência, modernização da infraestrutura e qualidade e universalidade da prestação do serviço.
Do ponto de vista do controle de constitucionalidade da norma, não compete ao Supremo Tribunal Federal perquirir o mérito da decisão administrativa de prorrogação dos contratos vis a vis a realização de novos procedimentos licitatórios em situações concretas.
As avaliações nesse sentido devem ser desempenhadas pelo próprio Poder Concedente, em alinho com os órgãos de controle da Administração Pública. A atuação do Judiciário, ao seu turno, deve estar adstrita ao exame de compatibilidade do quadro legal aos preceitos constitucionais, análise que aqui se desenvolve em um plano abstrato de validação do instituto da prorrogação prevista no art. 26 da Lei 10.864/2003.”
Como é possível notar, nas suas elaborações sobre os contornos de uma análise de vantajosidade, o STF tende a se restringir à indicação de possíveis parâmetros a serem adotados para a análise em casos concretos, mas reconhece a avaliação da vantajosidade como atribuição discricionária dos gestores públicos, que devem fazê-lo com apoio dos órgãos de controle, mas sem a ingerência do Judiciário. Por isso, as discussões empreendidas pelo STF não oferecem noções claras de qual seria o seu conteúdo.
Por outro lado, no âmbito do Tribunal de Contas da União, a discussão sobre a vantajosidade é mais densa. Isso se deve, em parte, à recente atuação do Tribunal na chancela de acordos públicos através de sua Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (Secex Consenso), introduzida na estrutura do TCU em 2022. Além disso, a Constituição da República atribui ao TCU a avaliação da economicidade dos negócios realizados pela Administração Pública, fator que é frequentemente tido como um dos elementos que compõem a análise de vantajosidade.
Talvez por essa razão, em parte de seus acórdãos, o TCU adota uma concepção restrita vantajosidade, equiparando-a às ideias de economicidade e eficiência. Vejamos um exemplo.
TCU, Acórdão nº 1.234/2004
Rel. Min. Lincoln Magalhães
(Plenário, j. 25.08.2024)
“2. A seguir, transcrevo a manifestação da unidade técnica: (…) Recorrendo-se às regras de direito privado, observa-se que o instituto da transação caracteriza-se como modalidade de extinção de obrigação mediante concessões recíprocas realizadas pelas partes credora e devedora. Essa é a exegese extraída do arts. 840 a 850 do Código Civil Brasileiro. Da mesma forma, presta-se, como espécie de autocomposição, à terminação de litígio, caso este tenha sido instaurado em virtude de conflito de interesses qualificado por pretensão resistida.
Como se depreende, portanto, a transação caracteriza-se inequivocamente como ato jurídico, vez que se traduz em manifestação de vontade capaz de produzir efeitos no mundo jurídico, extinguindo direitos e obrigações.
Em sede de direito público, a transação celebrada por autoridade pública adquire contorno específico de ato administrativo, já que exterioriza a vontade da Administração Pública, sendo emanado de agente público, regido por normas de direito público e visando ao interesse público.
Conceituado como espécie de ato administrativo, inevitável a submissão dos acordos (ou transações) aos princípios que regem as ações da Administração Pública, tais como aqueles enunciados nos arts. 37, caput, e 71, caput, da Constituição da República – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, legitimidade e economicidade -, bem como outros reconhecidamente admitidos na doutrina e na jurisprudência – supremacia do interesse público, indisponibilidade da coisa pública, proporcionalidade e razoabilidade.
Especificamente quanto ao aspecto da economicidade, vale citar jurisprudência deste Tribunal que, ao abordar situação concreta de acordos celebrados com base na Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, entendeu necessária a comprovação da vantagem para a União decorrente do ato, a ser evidenciada mediante demonstrativos de cálculos relativos aos valores pretendidos e aos oferecidos em sede de acordo (Acórdão 47/2002-TCU-Plenário e nº 675/2001 – Segunda Câmara).
No que tange à conveniência e à oportunidade de realização de acordos celebrados com base na Lei nº 9.469/97, este Tribunal manifestou-se no sentido de não possuir competência para avaliá-las, por situarem-se na órbita do poder discricionário da autoridade administrativa (Acórdão 675/2001-TCU-Segunda Câmara).
VOTO:
31. É importante salientar que a indisponibilidade do interesse público não significa a proibição de os entes de direito público realizarem transações, tanto que há o permissivo legal mencionado, e sim vedar a realização de transações desvantajosas, que ofendam os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da economicidade.
32. Assim, o instituto importado do Direito Civil não deve ser usado para promover interesses escusos, favorecimento de particulares ou dano ao erário, devendo o gestor público acautelar-se e justificar meticulosamente o acordo.
33. Um litígio não definitivamente solucionado pelo Poder Judiciário envolve a criteriosa análise dos possíveis cenários do seu desfecho. Assim, deve-se observar tanto o pior cenário, quanto o mais favorável, assim como uma estimativa de probabilidade de suas ocorrências. Esses constituem os parâmetros iniciais para o estabelecimento do valor de um possível acordo. (…) 40. Por conseguinte, pode ser esclarecido à AGU que a transação pode ser efetuada pelo Poder Público, desde que observados os contornos legais, expostos na Lei nº 9.469/1997, especialmente quanto à anuência das autoridades mencionadas nesse diploma legal, que não seja instrumento para burlar o estabelecido no art. 100 da Constituição Federal, ou seja, o respeito à ordem do pagamento de precatórios, e que haja uma criteriosa avaliação em termos de economicidade, ou seja, que o acordo seja financeiramente benéfico à União.”
O caso acima foi um dos pioneiros na discussão sobre a noção de vantajosidade na celebração acordos no âmbito do TCU. Nele, apreciou-se proposta de acordo a ser firmado entre a União e a Federação dos Trabalhadores em Empresas de Difusão Cultural e Artística do Estado do Rio de Janeiro, tendo como objetivo resolver controvérsia acerca do pagamento de diferenças salariais aos trabalhadores do setor. No acórdão, tanto a área técnica quanto o Ministro relator se baseiam em uma concepção econômica da vantajosidade, entendendo como requisito à celebração do acordo a comprovação da obtenção de vantagem econômica pela União, o que deveria ser verificado com a apresentação de demonstrativos dos valores pretendidos judicialmente e aqueles propostos no acordo.
Vejamos, abaixo, um caso mais recente julgado pelo TCU em que se adota uma concepção similar.
TCU, Acórdão nº 2.876/2019
Rel. Min. Jorge Oliveira
(Plenário, j. 27.11.2019)
“VOTO: A prorrogação de contratos de concessão encontra amparo na Lei 13.448, de 5/6/2017, podendo ser realizada ao término da vigência do ajuste ou anterior a este, ocasião em que passa a ser denominada prorrogação antecipada (art. 4º, incisos I e II, da referida lei).
Trata-se de uma exceção à diretriz constitucional de licitar e, por isso, não se configura em um direito do contratado, mas sim em uma faculdade do Poder Concedente, condicionada à prestação do serviço adequado e à demonstração da sua vantajosidade[footnoteRef:2] em relação à realização de nova licitação para o empreendimento, nos termos dos art. 6º, § 2º, inciso II e art. 8º da citada lei. [2: Termo cunhado pela doutrina (FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de licitações e Contratos Administrativos 15ª Ed. São Paulo: Dialética, 2012.p. 61), traduz-se num princípio que, intimamente ligado aos da eficiência e da economicidade, representa a busca, pela Administração Pública, por meio do exame das propostas apresentadas nos procedimentos licitatórios, da obtenção da melhor relação custo-benefício nas suas contratações.]
Para tanto, a ANTT elaborou Análise de Impacto Regulatório (AIR) que enfoca a questão da comprovação dessa vantajosidade. Na última versão da AIR, consta a simulação de quatro alternativas regulatórias:
2.8. Cenário base (prorrogação no final do contrato ou realização de nova licitação em 2028);
2.9. Alteração do contrato vigente com reequilíbrio por extensão de prazo;
2.10. Prorrogação antecipada; e
2.11. Extinção antecipada e realização de nova licitação.
Em um primeiro momento, foram listadas, para cada uma das alternativas acima, os principais impactos positivos e negativos e avaliadas a sua magnitude, em uma escala de 1 (baixa relevância) a 5 (alta relevância). O resultado dessa análise consta nas tabelas 7 a 11 do relatório.
Posteriormente, a agência analisou cada alternativa em relação à efetividade para a solução dos objetivos específicos, em três momentos distintos: (i) curto prazo – até 5 anos; (ii) médio prazo – de 5 a 10 anos; e (iii) longo prazo – mais de 10 anos. Adotou uma escala de 1 para alternativas com efetividade muito baixa e de 5 quando a efetividade era considerada muito alta. O resultado dessa segunda análise consta nas tabelas 12 a 17 do relatório.
Por último, para concluir qual a alternativa com maior grau conjunto de eficiência e efetividade, a ANTT calculou a média da classificação relativa de cada uma das alternativas quanto a esses critérios (tabela 18 do relatório). Como resultado, a prorrogação antecipada mostrou-se a alternativa mais vantajosa, seguida da extinção antecipada com nova licitação, da alteração contratual com extensão de prazo e do cenário base.
(…) Estou convicto de que as proposições aqui realizadas, resultantes de extensa análise documental e profícua discussão técnica com os vários atores envolvidos, podem contribuir para o aprimoramento dos termos da minuta de aditivo e propiciar uma melhor execução do contrato ora examinado, garantindo, com maior segurança, a efetiva consecução dos investimentos previstos, o que acarretará reflexos positivos aos usuários da ferrovia, com potencial aumento da competitividade do país no cenário internacional.
Nesse caso, o Min. Augusto Nardes entendeu que a prorrogação do contrato de concessão da Malha Paulista dependeria da demonstração de vantajosidade da prorrogação, tomando por vantajosidade o “princípio que, intimamente ligado aos da eficiência e da economicidade, representa a busca, pela Administração Pública, por meio do exame das propostas apresentadas nos procedimentos licitatórios, da obtenção da melhor relação custo-benefício nas suas contratações”. Em suma, a vantajosidade se traduziria na melhor relação de custo-benefício entre alternativas possíveis, tendo em vista a sua eficiência e economicidade.
Ressalte-se que, mesmo nos casos em que a vantajosidade é avaliada pelo prisma econômico, o benefício econômico para a Administração Pública não é a única condição observada pelo TCU. Por vezes, a economicidade é relacionada a noções de modicidade tarifária, melhoria do serviço público e eventuais vantagens aos usuários – notadamente quando a análise é feita no contexto de contratos de concessão. Essa perspectiva, adotada no caso da Malha Paulista, já representa um avanço em relação ao acórdão anterior, no qual o critério da economicidade foi tomado de forma mais estrita. Ao que parece, na medida em que o objeto dos acordos se complexifica, a análise de sua vantajosidade deve considerar variáveis maios diversas.
Ainda assim, a consideração de fatores mais amplos que a vantagem econômica na análise de vantajosidade apenas se consolidou recentemente na jurisprudência do TCU. Na apreciação de termos de autocomposição submetidos à Secex-Consenso – por meio das chamadas Solicitações de Solução Consensual (SSC) – o Tribunal tem considerado aspectos mais amplos na aferição da vantagem dos acordos, como a existência de eventuais vantagens jurídicas e sociais nas soluções propostas.
TCU, Acórdão nº 2.485/2024
Rel. Min. Jhonatan de Jesus
(Plenário, j. 27.11.2024)
“VOTO: Aprecio Solicitação de Solução Consensual (SSC) formulada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), regida pela Instrução Normativa-TCU 91/2022, com vistas a solucionar controvérsias relativas à adaptação de contratos de concessão do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) firmados com a empresa Telefônica Brasil S.A.
(…) Em anexo a essa resposta, foi enviado o mencionado parecer exarado pela Subprocuradoria Federal de Consultoria Jurídica da Procuradoria-Geral Federal, que aponta inconsistências nas estimativas feitas pela Anatel na valoração atribuída ao potencial de condenação a que a União está sujeita no âmbito do procedimento arbitral, em razão do “descompasso de algumas premissas utilizadas frente aos parâmetros adotados nas teses jurídicas de defesa da agência reguladora no procedimento arbitral”.
Apesar de apontar as falhas, o órgão entende, contudo, que perquirir qual o montante correto para cada pleito submetido pela Telefônica no âmbito da arbitragem demandaria análise eminentemente técnica que escapa de sua competência, até mesmo porque não houve a discussão dessas quantias entre as partes no âmbito daquele procedimento. Transcrevo, por sua pertinência, excerto do referido parecer (peça 114, p. 23 e 25):
“Neste cenário, pelas divergências e dificuldades detectadas, considerando o Informe nº 4/2024/SCP, principalmente em cotejo com as premissas defendidas pela Anatel no bojo do procedimento arbitral, conclui-se não ser possível, no estrito escopo desta manifestação jurídica, se atestar a vantajosidade do acordo se considerados aspectos exclusivamente econômicos. Tal impossibilidade deriva diretamente do fato de não estarem devidamente refletidas nos cálculos apresentados as teses sustentadas no procedimento arbitral.
Ocorre, entretanto, que se adere integralmente às afirmações já feitas neste processo de negociação, no sentido de que a análise da vantajosidade de um acordo complexo como o que se pretende desenhar, por certo, vai além de aspectos econômicos.”
(…) Do que foi explorado até o momento quanto à vantajosidade do acordo proposto, podemos extrair duas conclusões parciais. Em primeiro lugar, os benefícios do prosseguimento do acordo para a União são concretos e suficientemente demonstrados nos autos, especialmente quando considerados aspectos sociais e de segurança jurídica. Por outro lado, na estrita esfera de competência desta Procuradoria, e devido à ausência de expertise técnica necessária, não é possível se afirmar que os cálculos apresentados quanto aos valores envolvidos refletem a realidade das teses discutidas no procedimento arbitral.
(…) Foi também remetido a este Tribunal parecer do Departamento de Assuntos Extrajudiciais da Consultoria-Geral da União, que conclui pela vantajosidade dos valores do acordo, considerando a correspondência entre os créditos da Anatel e as obrigações assumidas pela concessionária. Essa vantajosidade torna-se ainda mais evidente, segundo o departamento, ao se considerar a possibilidade de saldo potencialmente desfavorável na arbitragem. O parecer também examina outros fatores que reforçam essa avaliação positiva sobre o acordo, conforme o trecho a seguir (peça 108, p. 27):
“Assim, o acordo, para além dos valores pecuniários, atende sobretudo ao critério de segurança jurídica, ao eliminar incertezas quanto à destinação dos bens reversíveis, encerrar as controvérsias constantes dos processos judiciais e administrativos relativos aos contratos de concessão do STFC, bem como afastar o risco de uma condenação vultosa em procedimento arbitral em desfavor da Anatel. De mais a mais, o termo observa aspectos de economicidade, com a eliminação dos custos dos processos judiciais e administrativos, bem como a satisfação ao interesse público, materializado pela manutenção do serviço de voz e pelos compromissos de investimento em áreas com reduzida atratividade para o mercado no importe de R$ 4 bilhões, conforme diretrizes estabelecidas pelo Poder Executivo.”
Sendo assim, entendo que as manifestações aduzidas pela AGU mostram-se suficientes para o prosseguimento do feito no âmbito do TCU, porquanto confirmam a vantajosidade do acordo.
(…) Por todo o demonstrado, entendo que o acordo proposto atende, de maneira vantajosa, ao interesse público, porquanto possibilita a resolução de relevantes controvérsias envolvendo a adaptação dos contratos de concessão da Telefônica para o regime de autorização, mormente no que concerne ao valor econômico do saldo de adaptação, bem como a extinção de processos administrativos e judiciais relacionados aos contratos de concessão do STFC e a renúncia por parte da Telefônica ao Procedimento Arbitral CCI 26.383/PFF, protocolizado em face da Anatel.
Em consequência, o acordo elimina as incertezas decorrentes dessas controvérsias, permitindo, com maior segurança jurídica, o prosseguimento das políticas públicas necessárias ao setor de telecomunicações, bem como a catalisação de nova onda de investimentos no setor”
Como se lê no trecho destacado, o TCU entendeu que redução da insegurança jurídica teria maior relevância na decisão pela aprovação do acordo do que a sua economicidade. Nos termos do voto do Min. Jhonatan de Jesus, a vantajosidade do acordo em questão se daria por um “contexto mais amplo de benefícios e compromissos para as partes envolvidas”, tais como a resolução de inseguranças relacionadas aos contratos de concessão, permeando maior segurança jurídica, catalização de investimentos e prosseguimento de políticas públicas no setor de telecomunicações. Essas razões, por si mesmas, seriam suficientes para a aprovação da autocomposição, a despeito de seus termos oferecerem uma “alocação ineficiente de recursos em favor da empresa”.
Essa perspectiva sobre a vantajosidade foi corroborada pela Advocacia-Geral da União no parecer juntado ao acórdão, que enfatizou que a vantajosidade do acordo se traduziria na resolução de controvérsias envolvendo contratos do setor de telecomunicações, bem como pela viabilização da manutenção e ampliação do serviço pela realização de novos investimentos. Além disso, a AGU destacou que o acordo seria benéfico no aspecto da economicidade, por eliminar custos dos processos judiciais e administrativos e afastar o risco de uma eventual condenação desfavorável à ANATEL em procedimento arbitral.
Ainda, é interessante nesse caso a indicação de que a vantajosidade do acordo teria lastro na segurança jurídica que propiciaria ao setor de telecomunicações, dada a possibilidade de redução da judicialização e de custos processuais para os envolvidos a partir de sua celebração. Essa argumentação parece se calcar na concepção de que as soluções consensuais se legitimariam pela sua aptidão em resolver situações contenciosas e de incerteza jurídica na aplicação do direito, ideia consignada na redação do art. 26 da LINDB.
Há, ainda, na jurisprudência do TCU, um grupo de acórdãos nos quais se afirma, retoricamente, que determinada decisão seria a mais vantajosa e melhor atenderia ao interesse público, mas sem expor as razões para tanto. Ou seja: casos em que a vantajosidade é empregada de forma retórica, descolada de seu conteúdo. É importante ressaltar que, ainda que a vantajosidade se contraponha à tradicional alegação de interesse público, por requerer uma análise necessariamente concreta e comparativa do caso, o fato de se tratar de um conceito de conteúdo fluido e impossível de ser definido a priori, dá margem para um uso vazio do termo. Valendo-se dessa possibilidade, por vezes, sem definir ou justificar a vantajosidade configurada no caso, o TCU a emprega como razão de decidir sem uma efetiva análise comparativa entre os cenários. Vejamos um exemplo disso.
TCU, Acórdão nº 1.733/2008
Rel. Min Augusto Sherman
(Plenário, j. 20.08.2008)
“VOTO: (…)
37. O ideal é que o contrato em questão seja executado a contento. Para isso, a verificação da adequada qualificação econômico-financeira do potencial contratado é fundamental. É imprescindível procurar averiguar, previamente, se o futuro contratado detém condições econômicas para arcar com todos os encargos das construções a serem levadas a efeito, a fim de minimizar os riscos de inexecução contratual. Aliás, a verificação da situação econômica do licitante é importante até mesmo para assegurar que terá condições de saldar eventuais sanções pecuniárias que lhe sejam impostas.
38. O edital da Concorrência 1.Patr2/2007 efetivamente previu os requisitos de qualificação econômico-financeira, os quais, ao que parece, mostram-se consentâneos com a obrigação a ser assumida pelo contratado. (…) Contudo, tendo em conta o que já consignei acerca da diversidade, em tal hipótese, entre o contratado e o executor das obras, causa-me especial preocupação a possibilidade de participação, no certame, de pessoas físicas.
39. Enquanto a pessoa jurídica é, legal e regulamentarmente, obrigada a elaborar demonstrativos financeiros e manter registros contábeis oficiais, o mesmo não se verifica em relação à pessoa física. Em relação a esta última, é possível que, em alguns casos, em especial quando tratar-se de empresário individual, a aferição, com segurança, da capacidade econômico-financeira se mostre plenamente viável. Não creio, no entanto, que análise nesse sentido possa ser promovida em todos os casos. A meu ver, portanto, a previsão da possibilidade de participação, em licitações da espécie, de pessoas físicas é totalmente desaconselhável, devendo este Tribunal estabelecer determinação ao Comando do Exército no sentido de que, doravante, abstenha-se de incluir tal permissivo.
(…) 41. Vislumbro a possibilidade, portanto, de que, em nome do interesse público, tendo em vista a aparente vantajosidade da proposta vencedora, a alegada premência das obras e as declarações do Exército acerca da capacitação econômico-financeira do licitante, se venha a levantar a medida cautelar anteriormente adotada e permitir, em caráter excepcional, a continuidade da concorrência 1.Patr2/2007, sem prejuízo de se estabelecer determinação ao Comando do Exército no sentido de que, doravante, abstenha-se de prever a possibilidade de participação de pessoas físicas em certames licitatórios referentes à permuta de bens imóveis por edificações a realizar.”
Observe que, nos casos vistos até aqui, a análise de vantajosidade assume uma ótica específica: a da Administração Pública. Daí ser necessário retomar o título dessa aula: para quem os acordos devem ser vantajosos? São raras as vezes em que a aprovação dos acordos pelo TCU não se justifica unicamente pela aferição de benefício ao Poder Público, desprezando seu caráter bilateral. Basta, para que os acordos sejam vantajosos, que eles sejam benéficos para a Administração Pública? Sobre essa questão, vejamos o caso abaixo.
TCU, Acórdão nº 2.121/2017
Rel. Min. Bruno Dantas
(Plenário, j. 27.09.2017)
“VOTO:
A vantajosidade do TAC e o alcance de seus objetivos depende de que os termos negociados, o acompanhamento, a fiscalização e o processo sancionatório sejam condizentes com o interesse público, se coadunem com os normativos vigentes, além de serem efetivos e tempestivos. Em última instância, os benefícios decorrentes do investimento realizado pela operadora em troca das multas devem suplantar aqueles decorrentes do uso dos valores provenientes das multas pela administração pública.
(…) Feita a contextualização, observa-se que os TAC possuem natureza negocial, bilateral, de contorno quase contratual-administrativo. Assim como os acordos de leniência (arts. 16 e 17 da Lei AntiCorrupção) e na linha da previsão de autocomposição envolvendo entes estatais (arts. 32 a 40 da Lei de Mediação c/c arts. 3º, § 3º, 15, 174 e 175 do Código de Processo Civil), trata-se de mais um exemplo do uso crescente de mecanismos de solução consensual de conflitos que vem modificando a Administração Pública contemporânea, atribuindo-lhe perspectivas mais negociais e mediadoras, além de, na medida do possível, menos contenciosa.
Nessa linha, podemos analisar o TAC como um pacto de livre vontade inspirado por estímulos e incentivos, resultante de uma dupla análise de custo-benefício, tanto no polo estatal quanto no polo privado, à semelhança do que tenho defendido em relação aos acordos de leniência (v.g. Acórdãos 245/2017 e 483/2017, ambos do Plenário).
Por um lado, o agente estatal responsável pela negociação deverá analisar em que medida a cessação da conduta inadequada do agente privado privilegiará o interesse público, a atuação da agência reguladora, o erário e o usuário do serviço público delegado.
Por outro, a pessoa jurídica infratora analisa se, na sua condição, é mais benéfico ajustar sua conduta e realizar os investimentos demandados pela agência, ou assumir os riscos e custos inerentes aos procedimentos de sanção pecuniária aplicados por meio do rito tradicional da agência, denominados Procedimentos para Apuração de Descumprimento de Obrigações (Pados).
Basicamente, só haverá acordo se, na ótica do Estado, os benefícios (ajuste de conduta e investimentos adicionais da operadora) superarem os custos e incertezas do processo de sancionamento tradicional da agência; e, sob a ótica do agente privado, se as obrigações de fazer contempladas no TAC forem menos onerosas que os riscos do procedimento sancionatório.
Nesse sentido, não se afigura razoável celebrar um TAC que viabilize tão somente o interesse público, visto que não traria incentivos à adesão do particular. O mesmo se diga do inverso: não pode o Poder Público celebrar um TAC que conceda vantagens excessivas ao agente privado, em ofensa ao interesse público. Dado o caráter nitidamente negocial e voluntário do instrumento, esse só resultará favorável aos objetivos de ambas as partes quando se encontrar o equilíbrio entre os interesses público e privado, o que nem sempre é tarefa fácil.
Assim, é natural que nesse processo a Anatel conceda certas vantagens à operadora interessada, para que haja estímulos à celebração. Ou seja, não só a Administração, mas todas as partes envolvidas (particular, agência e a sociedade) precisam enxergar na negociação um processo positivo, que as conduza a uma situação final melhor que a anterior, desde que esse seja pautado pelo equilíbrio entre os benefícios concedidos ao administrado, o interesse público no ajuste de conduta e na consecução dos projetos previstos e a redução no custo administrativo de carregamento dos Pados a serem substituídos pelo TAC.
Uma atuação eficiente por parte do Estado nessa atividade negocial deve, portanto, considerar essa estrutura de incentivos e nela interferir. Estamos diante de situações de administração gerencial na prática, que pressupõe a confiança no gestor público para definir a condução dos procedimentos (…).
Naturalmente, há que se ter alguma cautela no controle dos acordos porquanto a atividade negocial pressupõe maior espaço de discricionariedade do agente público. Todavia, se o controle externo impuser rígido controle burocrático poderá minar o instrumento e sacramentar a ineficiência do Pado como instrumento sancionador da atividade regulatória.
Por serem instrumentos novos, é natural que haja alguns desacertos ao longo do procedimento de normatização e negociação do instrumento. Ademais, a Administração Pública brasileira de forma geral ainda não adquiriu maturidade, experiência e meios para negociar de forma plena e flexível junto aos agentes privados. Assim, é natural que surjam dúvidas de ambos os lados ao longo da curva de aprendizado institucional, que só o tempo saneará.
Portanto, este Tribunal deve ter a cautela necessária para não obstaculizar e burocratizar demasiadamente o procedimento de modo a inviabilizá-lo na prática. Também, repito, não deve analisá-lo com a mesma lupa burocrática com que examina, por exemplo, processos de licitações e contratos, visto tratar-se de um instrumento de gestão negociada. É com esta visão que conduzo este Voto.”
No caso, o TCU julgou representação acerca de possíveis irregularidades no processo de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a Agência Nacional de Telecomunicações e empresas do setor regulado. Em seu voto, o Ministro Bruno Dantas destacou o caráter bilateral dos acordos, afirmando que sua vantajosidade dependeria da existência de vantagens para as duas partes envolvidas. Em suas palavras: um pacto de livre vontade inspirado por incentivos e resultante de uma análise dupla de custo-benefício (a cargo das partes pública e privada).
Para a Administração, o acordo deveria representar a redução de custos e incertezas em relação ao processo administrativo sancionador tradicional; para o particular, deveria haver redução do ônus que seria assumido em comparação ao processo sancionatório tradicional. Desse modo, o TAC seria vantajoso se equacionasse adequadamente os interesses público e privado em questão, de modo a criar uma estrutura de incentivos suficiente para seu cumprimento a contento. Vantajoso, portanto, para ambas as partes e para terceiros (os usuários); mediante solução comparativamente melhor do que o cenário contrafactual (com o seguimento dos processos sancionadores).
Essa perspectiva, ainda que decorra naturalmente do caráter bilateral dos acordos, não é sempre é considerada quando se transaciona com a Administração Pública. Isso porque, apesar das transformações sofridas pelo direito administrativo nas últimas décadas, sua teoria e prática ainda se veem presas a alguns dogmas. O advento da consensualidade implicou a relativização as noções de indisponibilidade do interesse público e da potestade da Administração Pública, mas seu desenvolvimento ainda não foi suficiente para superá-las.
É possível notar que a jurisprudência sobre vantajosidade indica que essa noção está se consolidando como critério de justificação dos negócios jurídicos administrativos, e seu conteúdo está em progressiva construção. Uma comparação entre as decisões mais antigas e as mais recentes sobre o tema demonstram isso: antes, a vantajosidade se identificava com aspectos meramente econômicos dos acordos (como no acórdão nº 1.234/2004); atualmente, incorporam-se ao seu conteúdo análises mais amplas de eventuais benefícios sociais e vantagens jurídicas decorrentes das soluções consensuais (acórdão nº 2.121/2017).
O avanço da análise de vantajosidade também parece decorrer da ampliação da atividade consensual da Administração Pública. Progressivamente, as soluções consensuais têm se consolidando como um instrumento de gestão pública, sendo adotadas para a resolução de problemas cada vez mais complexos – como contratos de concessão complexos e a prestação de serviços públicos essenciais. Com isso, é natural que a análise da vantajosidade desses arranjos considere aspectos mais amplos do que a sua economicidade.
Por outro lado, ainda há alguns desafios relevantes a serem superados nesse tema. Como vimos nos julgados acima, a análise de vantajosidade ainda está majoritariamente centrada na percepção benefícios pela Administração, sem considerar efetivamente o caráter bilateral dos acordos com ela celebrados. Essa concepção, que se mostra residual de velhos dogmas do direito administrativo, ainda há de ser superada para que a justificação da vantajosidade considere efetivamente a bilateralidade dos acordos.
3. DEBATENDO
- Como a noção de vantajosidade se distingue da tradicional invocação do “interesse público”? Há implicações dessa distinção no que toca à legitimidade das decisões administrativas?
- No Acórdão nº 2.121/2017, o TCU frisa a importância da consideração dos interesses dos particulares envolvidos na solução consensual a ser adotada para a eficiência do acordo. Como essa concepção adotada pelo tribunal se relaciona com os novos paradigmas da Administração Pública?
- Por ser um termo indeterminado, a vantajosidade comporta diferentes definições, com graus variados de precisão em relação ao seu conteúdo. Seria positivo que esse conceito fosse normatizado em regulamentos ou sua abertura semântica é positiva para a Administração e os particulares?
- Em alguns de seus acórdãos, o TCU se vale de uma concepção ampla da vantajosidade, que não se restringe a uma avaliação de custo-benefício do ajuste. Partindo dessa perspectiva, uma decisão pode ser vantajosa mesmo sem gerar economia imediata para os cofres públicos? É positivo que benefícios de outra natureza sejam considerados como critérios de vantajosidade nos acordos? Indo além, esses benefícios podem justificar a adoção de soluções consensuais ainda que impliquem alocação ineficiente de recursos pela Administração?
- A Administração Pública goza de uma margem de discricionariedade em seus atos, de modo que a celebração dos acordos e a estipulação de seu conteúdo dependem da conveniência e oportunidade definidas em cada caso. Desse modo, a exigência de demonstração de vantajosidade é compatível com a autonomia negocial do gestor público ou representa uma limitação indevida de sua discricionariedade?
- Em decisões do STF e do TCU, sugere-se que a demonstração da vantajosidade pela Administração deve ser baseada em estudos técnicos, como a Análise de Impacto Regulatório (AIR). Essa exigência seria positiva ou engessaria as decisões administrativas?
- A jurisprudência tem desempenhado um papel relevante na delimitação e qualificação da vantajosidade, conferindo sentidos distintos a ela. Quais são as principais distinções entre as abordagens adotadas pelo TCU e pelo STF na aferição da vantajosidade?
4. APROFUNDANDO
Bibliografia
PARANAGUÁ, Ana Claudia.; FREITAS, Flávia Corrêa Azeredo de. Acordo administrativo eficiente: análise multilateral do requisito da vantajosidade. Revista Eletrônica da OAB/RJ, v. 1, n. 4. jul./dez. 2021.
PEREORA, Vanessa Schinzel. O conceito de vantajosidade da prorrogação antecipada no setor ferroviário. Revista de Direito e Atualidades, v. 1, n. 2, 2021.
Decisões judiciais e de órgãos de controle
STF, ADI 5.991, Rel. Min, Cármen Lúcia, Plenário, julgado em 07/12/2020.
STF, ADPF 971, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, julgado em 29/05/2023.
STF, ADI 7.480, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, julgado em 13/05/2024.
STF, ADI 3.497, Rel. Min Dias Toffoli, Plenário, julgado em 13/06/2024.
TCU, Acórdão nº 1.234/2004, Rel. Min. Lincoln Magalhães, Plenário, julgado em 25/08/2004.
TCU, Acórdão nº 2.121/2017, Rel. Min. Bruno Dantas, Plenário, julgado em 27/09/2017.
TCU, Acórdão nº 716/2019, Rel. Min. Bruno Dantas, Plenário, julgado em 27/03/2019.
TCU, Acórdão nº 2.139/2022, Rel. Min. Bruno Dantas, Plenário, julgado em 28/09/2022.
TCU, Acórdão nº 2.485/2024, Rel. Min. Jhonatan de Jesus, Plenário, julgado em 27/11/2024
TCU, Acórdão nº 2.120/2024, Rel. Min. Benjamin Zymler, Plenário, julgado em 09/10/2024
TCU, Acórdão nº 2.318/2024, Rel. Min. Benjamin Zymler, Plenário, julgado em 30/10/2024.