1. CONHECENDO O BÁSICO
Poucos conceitos e poucas disputas teóricas podem se orgulhar de ter a longevidade e a persistência das discussões que existiram, existem e continuarão a existir em torno do “regime administrativo”. Se, na sua vida, você já folheou manuais de direito administrativo, já leu decisões judiciais sobre a disciplina, ou se já conversou ou trabalhou com administrativistas, é quase impossível que o “regime administrativo” – ou o “regime de direito público”, sua variante mais ampla – não tenham cruzado o seu caminho.
Este não é um dado trivial. Em suas origens, a afirmação do regime administrativo se confunde com a própria elaboração histórica do direito administrativo como uma disciplina “específica” e “autônoma”, predicados que, nas últimas décadas do século XIX, coincidiam com certo ideal de “cientificidade”.
Mas – para além de sua importância histórica – o que poderia explicar a permanência do debate sobre o conteúdo, o significado e a extensão do “regime administrativo” por quase 150 anos? O que há nessa discussão que nos ajuda a entender a persistência de um conceito que, em algumas de suas versões, já foi reputado “obsoleto”, [1] “iliberal” [2] ou até mesmo “maldito” [3] por importantes autores contemporâneos do direito administrativo brasileiro?
Para tentar responder essa pergunta, precisamos traçar um percurso em três etapas.
A primeira delas: devemos estar atentos a uma ambiguidade bastante central em toda a literatura sobre o “regime administrativo”. Em alguns casos, o conceito é utilizado para designar um conjunto de normas positivas (leis, regulamentos, atos, decisões judiciais etc.), supostamente “unitário” e “coeso”, que seriam aplicáveis a todas as situações jurídicas de “direito administrativo”. Em outras aparições, o conceito é veiculado para designar (e prescrever) algo como um “princípio especial” ou, ainda, um “predicado comum” de todas essas situações jurídicas, uma espécie de “sentido”, um “modo de ser” – um “quid”, na expressão de Celso Antônio Bandeira de Mello – de tudo aquilo que mereceria o rótulo de “direito administrativo”. [4] Tentarei demonstrar que algum esforço de desambiguação é fundamental, para nos ajudar a avançar sobre várias confusões, antigas e recentes, na discussão do tema.
Em segundo lugar, precisamos considerar que o conceito de regime administrativo não aparece do nada. Ele está vinculado a um contexto de referência, tanto no direito europeu (particularmente o francês), de onde é proveniente, quanto no direito brasileiro, para onde é importado de maneira significativamente original, criativa e peculiar. Para os propósitos desta aula, trata-se menos de uma historiografia, e muito mais de uma breve reconstrução do que os administrativistas pensam, de modo geral, quando ouvem falar em “regime administrativo”.
Por último, é importante ter em mente que a Constituição Brasileira de 1988, embora mencione regras específicas para diferentes situações envolvendo a administração pública, de desapropriações a empresas estatais, passando por servidores públicos e contratos de concessão, não contempla em lugar algum certo“regime geral de direito público”, com uma disciplina coesa e sistemática que se aplicaria a todas as situações abarcadas pelo “direito administrativo”. Aliás, um dos fatores que pode ajudar a explicar a persistência da discussão em torno do regime administrativo é precisamente sua plasticidade legal e seu caráter predominantemente doutrinário. Como foi proposto por Fabrice Melleray e Christophe Jamin, o regime administrativo é um “modelo doutrinal”. [5] Isso quer dizer que diferentes autores e diferentes intérpretes, ao tentarem sistematizar o que compreendem por regime administrativo – o que faz ou não faz parte dele – acabam estabelecendo escolhas, inclusões e incisões, que não deixam de refletir, de maneira prescritiva, suas próprias visões de mundo, suas lentes de contato com a realidade social. Essa diversidade de perspectivas pode até ter algum valor democrático e republicano, desde que exercida com consciência, transparência e responsabilidade.
Quero tratar de cada uma dessas três “etapas” por meio de textos escolhidos como “marcos” desse debate no Brasil. De certa maneira, isso nos prepara para a discussão, que está na parte final da aula, sobre o sentido de pensar o regime administrativo hoje, se é que existe algum.
Daí advém o caráter pragmático da abordagem que proponho aqui: uma exploração propriamente cética do regime administrativo, que questiona não sua correção ou incorreção à luz de grandes axiomas, mas, sim, seus usos e implicações, buscando compreender e avaliar o sentido e as consequências que o conceito tem para quem o utiliza. É entender, afinal, o que está em jogo no debate sobre o regime administrativo. Em uma expressão, que homenageia a obra seminal de Carlos Ari Sundfeld, pretendemos uma abordagem do tema que bem poderia se chamar “regime administrativo para céticos”. [6]
Na mesma linha, subvertendo o que seria uma aula mais “canônica” ou tradicional sobre o tema, que poderia soar enfadonha ou cansativa, as leituras se conduzem não por uma reconstrução histórica ou revisão rigorosa de literatura, mas, sim, por uma abordagem que parte do nosso problema em seu significado propriamente “pragmático”. Por mais abstrata que seja, a ideia de regime administrativo é utilizada para propósitos bastante concretos, como os quatro julgados que abrem a seção de leituras procuram evidenciar. Depois, com base nesses casos, a aula passa pelas três etapas que indiquei acima – a desambiguação, a contextualização e a plasticidade do regime administrativo – para então desaguar nas questões propostas à discussão, que buscam avaliar, criticamente, como e por que esse conceito ainda faz a cabeça dos administrativistas, e o que isso pode significar para o direito administrativo brasileiro.
Por fim, dois alertas antes de começarmos a seção de leituras.
O primeiro: esta não é uma aula sobre o célebre “princípio” da supremacia do interesse público, nem sobre a sua (proporcionalmente) célebre crítica doutrinária. Também não é uma aula sobre o seu par conceitual, a indisponibilidade do interesse público, ou mesmo sobre alguns dos seus corolários mais significativos, como o princípio da legalidade estrita e a teoria tradicional do ato administrativo no Brasil. Todos esses tópicos são extremamente ricos, e justificariam uma aula específica para cada um deles. Na seção de referências para leitura, quem se interessar vai encontrar textos historicamente importantes sobre alguns desses assuntos.
O segundo: a análise e a eventual crítica de uma ou de outra perspectiva sobre o regime administrativo não pode se confundir com a crítica do autor ou da autora que a defende. Analisar modelos doutrinais não deixa de ser analisar usos pragmáticos de certo conjunto de ideias, que muitas vezes escapam, transcendem, ou nada têm a ver com as intenções originais de seus proponentes. Dizer, por exemplo, que certa visão do regime administrativo, como um corpo unitário marcado pela onipresença dos atos de autoridade, pode levar à presunção de que a supremacia sobre os particulares é natural ao Estado, e que isso se conecta facilmente a uma perspectiva estatista e ideologicamente iliberal, é extremamente diferente de dizer que eram estatistas e iliberais as intenções e os objetivos de quem propôs os modelos teóricos. [7]
O recorte dessa aula não é, tampouco, neutro ou isento de avaliação crítica. O que tomo por “regime administrativo para céticos”, ao priorizar os usos do conceito, sua significação e suas implicações práticas, não deixa de reproduzir certa visão de mundo, pragmática, cosmopolita e “desencantada”, [8] que busca valorizar a pluralidade dos pontos de partida, e desvincular a fundamentação teórica do direito administrativo tanto de “axiomas” que seriam (ou deveriam ser) “universalmente” aceitos, quanto de preceitos metafísicos, imanentes ou transcendentais à experiência empírica. A fôrma dá o formato do bolo, e não existe nenhuma regra unívoca e a priori sobre qual é a fôrma correta. [9] Podemos (e talvez devamos) discutir, contudo, que fôrmas são mais adequadas para cada bolo, ou quais tipos de fôrmas nos ajudam a produzir melhores bolos – ou melhores resultados – em nossa confeitaria. [10]
Feitos os alertas, deixemos os bolos e vamos aos casos. O primeiro cuida da gratuidade, nas atividades notariais, para os “reconhecidamente pobres”. O segundo, do exercício de poder de polícia por sociedades de economia mista. O terceiro, da realização de concurso público por empresas estatais. O quarto, de restrições estaduais à atividade pesqueira. Só por essa pequena lista, já temos um bom extrato da abrangência e da transversalidade do tema desta aula!
2. CONECTANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA
STF, Ação Direta de Constitucionalidade n. 5
Rel. Min. Nelson Jobim; Rel. p/ acórdão Min. Ricardo Lewandowsky
(j. 11/06/2007)
CONSTITUCIONAL. DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE. ATIVIDADE NOTARIAL. NATUREZA. LEI 9.534/97. REGISTROS PÚBLICOS. ATOS RELACIONADOS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA. GRATUIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO NÃO OBSERVADA. PRECEDENTES. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. I – A atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros, embora seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se a um regime de direito público. II – Não ofende o princípio da proporcionalidade lei que isenta os “reconhecidamente pobres” do pagamento dos emolumentos devidos pela expedição de registro civil de nascimento e de óbito, bem como a primeira certidão respectiva. III – Precedentes. IV – Ação julgada procedente.
STF, Recurso Extraordinário n.º 633782
Rel. Min. Luiz Fux
(j. 26/10/2020)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 532. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PRELIMINARES DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ADEQUADA E DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AFASTADAS. PODER DE POLÍCIA. TEORIA DO CICLO DE POLÍCIA. DELEGAÇÃO A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO DE ATUAÇÃO PRÓPRIA DO ESTADO. CAPITAL MAJORITARIAMENTE PÚBLICO. REGIME NÃO CONCORRENCIAL. CONSTITUCIONALIDADE. NECESSIDADE DE LEI FORMAL ESPECÍFICA PARA DELEGAÇÃO. CONTROLE DE ABUSOS E DESVIOS POR MEIO DO DEVIDO PROCESSO. CONTROLE JUDICIAL DO EXERCÍCIO IRREGULAR. INDELEGABILIDADE DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA.
1. O Plenário deste Supremo Tribunal reconheceu repercussão geral ao thema decidendum, veiculado nos autos destes recursos extraordinários, referente à definição da compatibilidade constitucional da delegação do poder de polícia administrativa a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta prestadoras de serviço público.
2. O poder de polícia significa toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais. Em sentido estrito, poder de polícia caracteriza uma atividade administrativa, que consubstancia verdadeira prerrogativa conferida aos agentes da Administração, consistente no poder de delimitar a liberdade e a propriedade.
3. A teoria do ciclo de polícia demonstra que o poder de polícia se desenvolve em quatro fases, cada uma correspondendo a um modo de atuação estatal: (i) a ordem de polícia, (ii) o consentimento de polícia, (iii) a fiscalização de polícia e (iv) a sanção de polícia.
4. A extensão de regras do regime de direito público a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta, desde que prestem serviços públicos de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial é admissível pela jurisprudência da Corte. (Precedentes: RE 225.011, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. p/ o acórdão Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 16/11/2000, DJ 19/12/2002; RE 393.032-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 18/12/2009; RE 852.527-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 13/2/2015).
5. A constituição de uma pessoa jurídica integrante da Administração Pública indireta sob o regime de direito privado não a impede de ocasionalmente ter o seu regime aproximado daquele da Fazenda Pública, desde que não atue em regime concorrencial.
6. Consectariamente, a Constituição, ao autorizar a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista que tenham por objeto exclusivo a prestação de serviços públicos de atuação típica do Estado e em regime não concorrencial, autoriza, consequentemente, a delegação dos meios necessários à realização do serviço público delegado. Deveras: a) A admissão de empregados públicos deve ser precedida de concurso público, característica que não se coaduna com a despedida imotivada; b) No RE 589.998, esta Corte reconheceu que a ECT, que presta um serviço público em regime de monopólio, deve motivar a dispensa de seus empregados, assegurando-se, assim, que os princípios observados no momento da admissão sejam, também, respeitados por ocasião do desligamento; c) Os empregados públicos se submetem, ainda, aos princípios constitucionais de atuação da Administração Pública constantes do artigo 37 da Carta Política. Assim, eventuais interferências indevidas em sua atuação podem ser objeto de impugnação administrativa ou judicial; d) Ausente, portanto, qualquer incompatibilidade entre o regime celetista existente nas estatais prestadoras de serviço público em regime de monopólio e o exercício de atividade de polícia administrativa pelos seus empregados.
7. As estatais prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial podem atuar na companhia do atributo da coercibilidade inerente ao exercício do poder de polícia, mormente diante da atração do regime fazendário.
8. In casu, a Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte – BHTRANS pode ser delegatária do poder de polícia de trânsito, inclusive quanto à aplicação de multas, porquanto se trata de estatal municipal de capital majoritariamente público, que presta exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial, consistente no policiamento do trânsito da cidade de Belo Horizonte. (…)
12. Ex positis, voto no sentido de (i) CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso extraordinário interposto pela Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte – BHTRANS e (ii) de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, para reconhecer a compatibilidade constitucional da delegação da atividade de policiamento de trânsito à Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte – BHTRANS, nos limites da tese jurídica objetivamente fixada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal. 13. Repercussão geral constitucional que assenta a seguinte tese objetiva: “É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.”
STF, Embargos de Declaração na ADI n.º 3396
Rel. Min. Nunes Marques
(j. 30/10/2023)
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. (…) 3. A exigência constitucional de concurso público (CF, art. 37, II) como etapa condicional à admissão não só dos servidores públicos propriamente ditos como também dos empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista é aplicável indistintamente a todas as empresas estatais, estejam elas mais próximas do regime de direito público – monopolísticas e consequentemente prestadoras de serviços públicos – ou do regime de direito privado – atuantes em concorrência com a iniciativa privada. 4. As condições previstas no edital do concurso público para contratação em empresa estatal devem ser observadas, desde que não tenham sido impugnadas ou questionadas judicialmente por suposta afronta ao ordenamento jurídico. 5. Embargos de declaração opostos por amicus curiae não conhecidos e aclaratórios do autor da ação conhecidos, mas rejeitados.
STF, ADC n.º 6218
Rel. Min. Nunes Marques; Rel. p/ acórdão Min. Rosa Weber
(j. 03/07/2023)
Ação direta de inconstitucionalidade. Estado do Rio Grande do Sul. Proibição da prática da pesca de arrasto tracionada por embarcações motorizadas na faixa marítima da zona costeira gaúcha (Lei estadual nº 15.223/2018). Competência concorrente suplementar dos Estados-membros em tema de pesca e proteção ambiental (CF, art. 24, VI). Direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, art. 225). Precedente específico do Plenário desta Corte.
1. Impugna-se a constitucionalidade da vedação estadual à pesca de arrasto motorizado no mar territorial da zona costeira gaúcha, ao fundamento de afronta à competência do Congresso Nacional para “legislar sobre bens de domínio da União” (CF, art. 20, VI, e 48, V).
2. Ao atribuir o domínio do mar territorial brasileiro à União (CF, art. 20, VI) a Constituição outorgou-lhe a titularidade sobre esse bem público essencial e, ao mesmo tempo, submeteu o território marítimo ao regime de direito público exorbitante do direito comum, de modo a atender, com adequação e eficiência, às finalidades públicas a que está destinado.
3. A relação de dominialidade sobre os bens públicos não se confunde com o poder de dispor sobre o regime jurídico de tais bens. As competências legislativas não decorrem, por implícita derivação, da titularidade sobre determinado bem público, mas do sistema constitucional de repartição de competências, pelo qual os entes da Federação são investidos da aptidão para editar leis e exercer a atividade normativa. (…)
7. O Plenário desta Suprema Corte reconhece a plena validade jurídico-constitucional da vedação estadual à prática da pesca de arrasto no território marítimo dos Estados situados na zona costeira, forte no art. 24, VI, da Carta Política, no que assegura à União, aos Estados e ao Distrito Federal, competência para legislar concorrentemente sobre pesca, fauna, conservação da natureza, defesa dos recursos naturais e proteção do meio ambiente. Precedente específico (ADI 861, Rel. Min. Rosa Weber, Pleno, j. 06.3.2020, DJe 05.6.2020).
8. A Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca Riograndense (Lei estadual nº 15.223/2018) observa estrita conformação com as diretrizes e normas gerais da Política Nacional de Pesca e Aquicultura da União (Lei nº 11.959/2009), cujo texto normativo veda expressamente no território marítimo brasileiro a prática de toda e qualquer modalidade de pesca predatória (art. 6º).
9. Legitima-se, ainda, a legislação estadual questionada, em face da LC nº 140/2011, pela qual a União disciplinou as formas de cooperação com os Estados nas ações administrativas decorrentes do exercício das competências comuns relativas à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição, à preservação da fauna e da flora, inclusive marinha (CF, art. 23, VI e VII), delegando competência material aos Estados para formularem suas próprias Políticas Estaduais de Meio Ambiente, notadamente para exercerem o controle ambiental da pesca em âmbito estadual (art. 8º, XX). (…) 11. A livre iniciativa (CF, art. 1º, IV e 170, caput) não se revela um fim em si mesmo, mas um meio para atingir os objetivos fundamentais da República, inclusive a tutela e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225). 12. Ação conhecida e pedido julgado improcedente.
Curiosamente, os quatro casos parecem transitar livremente entre dois sentidos possíveis para o conceito de “regime administrativo”. Não sabemos ao certo, por exemplo, se o regime de direito público, de que nos fala a ADC n. 5/2007, é o regime legal que reconhece a gratuidade aos “reconhecidamente pobres”, vinculando tanto o legislador (federal e estadual) quanto as administrações públicas, ou se ele coincide com um valor constitucional mais abstrato e mais abrangente, ligado ao caráter propriamente “público” dos serviços notariais, prescrevendo, na realidade, a universalidade do acesso aos serviços públicos por sua “relação com os direitos de cidadania”.
Da mesma maneira, é difícil entender, apenas pela leitura dos embargos de declaração na ADI n. 3396/2023, se o regime de direito público é o que impõe a reprodução, em todos os editais lançados por empresas estatais, de um punhado de regras formais de submissão das suas contratações de pessoal ao concurso público – o que faria o regime administrativo coincidir com o próprio conteúdo da Lei n. 14965/2025, que é posterior à decisão – ou se tal regime designa algo como um “dever constitucional geral” de impessoalidade, aqui decorrente da própria legalidade, no acesso a posições de trabalho nas administrações públicas, no sentido estabelecido pelos incisos I e II do artigo 37 da Constituição de 1988.
A mesma confusão acontece nas outras duas decisões acima, em que ora se fala de regimes legais específicos – autorizando o uso de poderes de autoridade para o exercício do poder de polícia, em face da limitação de atividades pesqueiras ou do controle do tráfego urbano) – ora se fala de uma noção mais abstrata de valores que competiriam ao “público” – o exercício de alguns poderes diferentes (“exorbitantes”) dos que são autorizados aos agentes privados, e a vinculação desses poderes a obrigações públicas específicas, tais como a proteção do meio ambiente e a ordenação do tráfego no território urbano.
Essa ambiguidade não é acidental. Ela nos permite a discussão mais aprofundada do próprio sentido de regime administrativo como ele se construiu entre nós. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o manualista intelectualmente mais influente do século XX no Brasil, e o responsável pelo que é, ainda hoje, a formulação mais influente do significado do “regime administrativo” no direito brasileiro, esse conceito, sendo o núcleo do “regime de direito público”, designaria tanto um conjunto de normas positivas, quanto os preceitos axiológicos, as premissas ideológicos que esse conjunto, para ser identificado ao direito público, deveria necessariamente conter.
Natureza e regime jurídico das autarquias
Por Celso Antônio Bandeira de Mello
(São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 284-285 e 292-297)
Uma coisa é perquirir a natureza jurídica dos entes públicos e outra coisa é buscar os traços exteriores através dos quais tal natureza se torna aparente. Daí poder afirmar-se que à análise intrínseca corresponde a investigação da natureza e à análise extrínseca corresponde a apuração das notas exteriores que servirão para extremar as duas classes de pessoas: públicas e privadas.
Com efeito, a compreensão da natureza e essência daqueles seres [pessoas jurídicas de direito público], formulada embora com precisão conceitual, não é o bastante para permitir que, na prática, se possam apartar ambos os institutos. Por outro lado, a enumeração das características próprias de cada tipo de pessoa pouco ou nada diz sobre a essência delas e, por ressentir-se disto, a maior parte dos critérios sugeridos pelos que se ocuparam da questão revela-se ou insuficiente ou inadequada. Urge levar-se em conta, outrossim, que os dois aspectos do estudo se completam, e necessitam inteirar-se como duas faces de uma moeda. (…)
Em face do direito, todo o interesse que possam eventualmente apresentar distinções entre interesse privado e interesse público, função privada e função pública, atividade particular e atividade pública, finalidade particular e finalidade pública, escopo privado e escopo estatal, resumem-se unicamente nos significados que apresentem na esfera jurídica, isto é, no âmbito das normas, relações e efeitos jurídicos. (…) Pode-se, portanto, partir da premissa que a distinção entre pessoas públicas e privadas – como objeto de indagação do jurista – só pode significar uma distinção de regimes jurídicos e, ipso facto, a natureza da pessoa pública só se pode deduzir de um regime normativo. Fora daí, qualquer cogitação, eventualmente, terá o mérito de auxiliar o intérprete, aproximá-lo de seu objeto, mas de forma alguma poderá constituir-se em explicação íntima de uma realidade do direito. (…)
Pessoa de direito público é a que se rege por um regime jurídico especial, dito público. Tal regime é o que resulta da caracterização normativa de determinados interesses como pertinentes à Sociedade e não aos particulares. Juridicamente, esta caracterização consiste na atribuição de uma disciplina normativa peculiar que, fundamentalmente, se delineia em função da consagração de dois princípios: (A) Supremacia do interesse público sobre o privado; (B) Indisponibilidade dos interesses públicos.
Interessam-nos aqui, exclusivamente, os aspectos pertinentes ao regime público administrativo. Este é o que concerne à função administrativa do Estado, exercitada tanto através do corpo de órgãos não personalizados, que compõem a chamada Administração, em sentido orgânico, quanto através das pessoas públicas administrativas, autarquias. (…) Todo o sistema de Direito Administrativo, a nosso ver, se constrói sobre os mencionados princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e indisponibilidade do interesse público. A ereção de ambos em pedras angulares do Direito Administrativo, parece-nos, desempenha função explicadora e aglutinadora mais eficiente que as noções de serviço público, “puissance publique”, ou utilidade pública. (…)
A) Supremacia do Interesse Público Sobre o Privado. Trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno direito público. Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último. É pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados. No campo da administração, deste princípio procedem as seguintes consequências ou princípios subordinados: a) posição privilegiada do órgão encarregado de zelar pelo interesse público e de exprimi-lo, nas relações com os particulares; b) posição de supremacia do órgão nas mesmas relações. (…)
B) Indisponibilidade dos Interesses Públicos. A indisponibilidade dos interesses públicos significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis. É sempre oportuno lembrar a magistral lição de Cirne Lima, a propósito da relação de administração. Explica o ilustrado mestre que esta é “a relação jurídica que se estrutura ao influxo de uma finalidade cogente”. Nela não há apenas um poder em relação a um objetivo, mas, sobretudo, um dever, cingindo o administrador ao cumprimento da finalidade, que lhe serve de parâmetro. “Na administração o dever e a finalidade são predominantes, no domínio, a vontade”. Administração é a “atividade do que não é senhor absoluto”. O mestre gaúcho pondera acertadamente que “a relação de administração somente se nos depara, no plano das relações jurídicas, quando a finalidade, que a atividade de administração se propõe, nos aparece defendida e protegida, pela ordem jurídica, contra o próprio agente e contra terceiros”. Em suma, o necessário – parece-nos – é encarar que na administração os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos. É a ordem legal que dispõe sobre ela.
Para quem se interessar, eu já escrevi sobre a surpreendente intertextualidade que se estabelece nessa apropriação da obra de Ruy Cirne Lima, um jusnaturalista de inspiração aristotélico-tomista, por Celso Antônio Bandeira de Mello, cujo projeto é, segundo o próprio autor, estritamente positivista:
Regime jurídico à brasileira: as duas bases de construção do regime de direito público no Brasil
Por Marco Antônio Moraes Alberto
(Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v.115, 2020, p. 497-499 e 505-506)
Cirne Lima enfrenta o problema da definição de direito administrativo atribuindo à ideia de “administração” o papel de conceito fundamental (CIRNE LIMA, 1948, p. 60). A “administração” é uma categoria relacional do direito comum europeu, que será percebida, pelo jus-racionalismo iluminista (também denominado “jusnaturalismo moderno”), como uma relação jurídica que vincula determinado bem a uma finalidade racional e no tempo enquanto durar tal finalidade. Ela se contrapõe, portanto, à relação de propriedade, que vincula permanentemente um bem a um sujeito de direito, a um agente dotado de razão e de vontade, o proprietário. Retendo essa diferenciação do Código Napoleão (1804), Cirne Lima afirma que a administração é conceito central do direito administrativo justamente por vincular um fato ou bem a determinada finalidade, impondo-a à administração pública (CIRNE LIMA, 1948, p. 60-61; 1951, p. 33). São essas finalidades que determinarão a organização administrativa e a ação administrativa (CIRNE LIMA, 1948, p. 62). Importar da civilística a noção de “administração” para o direito administrativo traz, portanto, uma primeira consequência fundamental: a administração pública, e, portanto, o direito administrativo, existem apenas no interior de determinada vinculação finalística. (…)
É nessa estrutura que, avançando para o seu segundo movimento, Cirne Lima introduz a diferença que aparta a administração pública da administração privada (dos bens dos filhos, dos negócios de terceiros, da tutela, da curatela etc.), qualificando-a como expediente especial no interior do “gênero administração” (CIRNE LIMA, 1937, p. 28; 1951, p. 22). Enquanto na administração privada, pela própria diversidade das relações civis, a administração é dispersa e múltipla, fazendo surgir posições administrativas difusas, episódicas e variadas entre os agentes privados, na administração pública a administração é regular e permanente, originando um núcleo central unitário, o Estado, incumbido de coordenar e unificar todas as atividades administrativas (CIRNE LIMA, 1948, p. 59; 1951, p. 27). (…)
Essa diferença não responde, contudo, qual é a fonte que rege a relação administrativa, apta a desempenhar papel análogo ao da vontade do proprietário em uma relação de domínio. Cirne Lima apresenta, então, uma segunda diferença entre administração pública e administração privada, e é aí que se evidencia, definitivamente, sua filiação jusnaturalista. Nesse passo, o autor afirma que, diferentemente da administração privada, na qual os pactos envolvendo os círculos de interesses dos administrados são contingentes, na administração pública, os pactos entre administradores e administrados têm conteúdo necessário (CIRNE LIMA, 1951, p. 25), coextensivo tanto com a “ordem jurídica positiva vigente”, quanto com o “ordenamento jurídico da sociedade como um todo” (CIRNE LIMA, 1951, p. 22). Ora, a consequência lógica dessa construção é a de afirmar um conteúdo necessário à atuação administrativa, que não se confunde, portanto, com a mera positividade (contingente) do direito. (…)
A administração pública, e, por corolário, o Estado, não cria direito. Daí a ideia de que administração pública não cria, mas revela o direito (CIRNE LIMA, 1951, p. 21), o que significa dizer que o Estado não produz, mas sim enuncia o direito (CIRNE LIMA, 1937, p. 32). Não existe, assim, um “poder administrativo”, mas um “dever administrativo”. Trata-se da tese do poder-dever da administração pública, que celebrizou Cirne Lima na história do direito público brasileiro. Segundo essa tese, a atuação administrativa advém não de um artifício de vontade (interesse subjetivo, seja do administrador, seja dos administrados), mas, sim, de um dever prescrito na finalidade (sempre impessoal) a que toda a atividade administrativa se vincula. O conteúdo da atuação administrativa é necessário. Ele é revelado a partir de uma ordem positiva (lei), que está, por sua vez, vinculada a uma “plenitude lógico-jurídica” oriunda de uma “ordem jurídica suprapositiva” (CIRNE LIMA, 1951, p. 21). É essa ordem jurídica suprapositiva, coincidente com o direito natural, que é revelada pela atuação da administração pública, seja quando a administração atua vinculada à lei (lei positiva como determinação concreta do direito natural), seja quando atua discricionariamente, em paralelo à lei, mas igualmente vinculada ao direito natural. (…) Essa ideia se revela, portanto, uma sofisticada interpretação da clássica vinculação hierárquica entre o conteúdo do direito natural (superior e condicionante) e o conteúdo do direito positivo (inferior e condicionado), lugar-comum do jusnaturalismo.
(…) Celso Antônio Bandeira de Mello leva às últimas consequências a ideia de legitimação [legal-democrática] da atividade administrativa pela atribuição social de finalidades públicas [legalidade]. Seu foco nas “fontes sociais” de tais finalidades o faz rejeitar o jusnaturalismo, que, na estrutura pensada por Cirne Lima, detinha uma função de controle moral da atividade administrativa, procurando neutralizar o poder superior soberano, incontrastável, titularizado pela administração pública (superiorem non recognoscens). Ao eliminar, contudo, o pressuposto da “utilidade pública” (ipse populus qui ipsum officialem fecit), do binômio de Cirne Lima, Bandeira de Mello deixa “solto” o outro termo do equilíbrio binomial, que é o poder administrativo. O antigo binômio do poder-dever, definido nos termos de uma vinculação do poder ao bem comum, assume a forma de monômio, em que se vincula o poder ao poder, uma vontade a outra vontade, a intenção do administrador à intenção do legislador, o interesse individual ao interesse público. Um jogo, portanto, entre interesses. E esse interesse público já não será, de forma alguma, revelado a partir da lei natural, no âmbito de uma relação administrativa com o particular, mas criado intencionalmente pelo legislador (em segundo grau, pela administração) e imposto, vertical e unilateralmente, ao particular (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 56 e nota n. 37).
Com efeito, a supremacia do interesse público – o outro axioma do regime jurídico administrativo, ao lado da indisponibilidade – designa uma tensão entre vontades tidas por logicamente diferentes: a vontade que está na base do interesse egoísta do indivíduo singularmente considerado (interesse inferior) e a vontade que está na base do interesse do indivíduo enquanto partícipe da sociedade (interesse superior). Essa relação superior/inferior é meramente operacional, e se baseia na posição privilegiada (supremacia) da administração pública nas relações com os particulares, predicando-lhe verticalidade e unilateralidade (BANDEIRA DE MELLO, 1968, p. 295-296 e 317; 2012, p. 71-72).
No pensamento de Ruy Cirne Lima, faria algum sentido imaginar, portanto, um “regime de finalidades públicas”, baseado no direito natural, no bem comum, a orientar e determinar a atuação da administração pública, e mesmo do legislador. No entanto, por tentar extrair do próprio direito positivo (e não de qualquer outro lugar “superior”) o conteúdo do regime administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello parece, com sua construção, induzir à ambiguidade que verificamos nas quatro decisões do STF acima mencionadas. É exatamente nesse sentido, aliás, que vem a crítica (pioneira) de Humberto Ávila:
Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular
Por Humberto Ávila
(Revista Diálogo Jurídico, n. 7, 2001, p. 17-24)
O interesse privado e o interesse público estão de tal forma instituídos pela Constituição brasileira que não podem ser separadamente descritos na análise da atividade estatal e de seus fins. Elementos privados estão incluídos nos próprios fins do Estado (p. ex. preâmbulo e direitos fundamentais). (…) Se eles – o interesse público e o privado – são conceitualmente inseparáveis, a prevalência de um sobre outro fica prejudicada, bem como a contradição entre ambos. A verificação de que a administração deve orientar-se sob o influxo de interesses públicos não significa, nem poderia significar, que se estabeleça uma relação de prevalência entre os interesses públicos e privados. Interesse público como finalidade fundamental da atividade estatal e supremacia do interesse público sobre o particular não denotam o mesmo significado. O interesse público e os interesses privados não estão principialmente em conflito, como pressupõe uma relação de prevalência.
Um princípio (como postulado) fundamental do Direito Público, especialmente do Direito Administrativo, deve consistir em algo bem diverso de um princípio de supremacia. E se fosse deduzível do direito positivo uma norma-princípio de prevalência, seria possível a dedução de uma norma-princípio antinômica à debatida, assecuratória dos interesses privados garantidos aqui-e-acolá na Constituição, como já analisado. Procurar um postulado normativo explicativo de um ordenamento jurídico-administrativo que protege interesses tão diferenciados constitui tarefa difícil.
(…)
Trata-se, em verdade, de um dogma até hoje descrito sem qualquer referibilidade à Constituição vigente. A sua qualificação como axioma bem o evidencia. Esse nominado princípio não encontra fundamento de validade na Constituição brasileira. Disso resulta uma importante consequência, e de grande interesse prático: a aplicação do Direito na área do Direito Administrativo brasileiro não pode ser feita sobre o influxo de um princípio de prevalência (como norma ou como postulado) em favor do interesse público.
(…)
Tal como ele é descrito – como um “princípio jurídico de supremacia” – ele não encontra fundamento de validade, simplesmente porque não pode ser descoberto no ordenamento jurídico por meio de qualquer método (dedução ou indução, análise das palavras ou do seu conjunto etc.). As exceções, que a aplicação condicional concreta de uma norma-princípio revela, devem manter-se dentro de uma quantidade mínima, sob pena de não mais serem consideradas exceções. O que não é, definitivamente, o caso. O mais importante é a descrição e determinação intersubjetivamente controlável dos critérios para a definição do interesse público. A determinação desses critérios, porém, só sucede mediante a criação jurisprudencial de regras de conflito, em função das quais o interesse público recebe prevalência em determinados casos de conflito com os interesses privados, quando isso ocorrer. E se esses critérios devem ser obtidos por meio da análise da Constituição e das normas contidas nas leis – o que Bandeira de Mello com razão afirma –, perde a expressão “interesse público” a sua relevância normativa como norma-princípio. Dito mais claramente: ‘A expressão bem público’ sempre representa a abreviatura daquilo que a Constituição entende por limites permitidos ou não’ (Schnur). Disso, porém, resulta uma importante consequência: em vez de um princípio de preferência, deve ser atribuída a importância, então, às prescrições constitucionais e legais, já que elas – e não, portanto, o citado ‘princípio’ – é que são juridicamente decisivas.
(…)
A análise desses elementos (posições, direitos, bens) enquanto ínsitos à função administrativa e instituídos pelo ordenamento jurídico diz respeito à Ciência do Direito. Nesse âmbito de conhecimento, entretanto, não são autoevidentes, como os axiomas. Nem surgem de per se. Resultam, antes, de normas, sem as quais não existiriam juridicamente. A sua explicação deve manter-se fiel a esse objeto. E mesmo quando há expressa menção normativa ao interesse público, definido pela finalidade relacionada à comunidade, nada é dito sobre a sua supremacia. Nesse âmbito, em vez de postulados, teríamos ou uma norma-princípio, cuja existência, no entanto, não restou corroborada, mas foi antes mesmo refutada, ou um postulado normativo, cuja referibilidade ao ordenamento jurídico ora se discute.
E o que pode e deve ser dito relativamente a esta segunda questão é que um postulado explicativo do Direito Administrativo não pode ser uma regra de prevalência, mesmo que essa preferência seja “apenas” abstrata e relativa. Ao contrário de uma regra de preferência, poder-se-ia falar sobre o bem comum como ideia por detrás das normas e dos fins estatais, mas que representaria a unidade de uma multiplicidade de interesses públicos verificáveis no Direito e na sociedade (o que terminaria, por via diversa, por corroborar o aqui formulado postulado da reciprocidade, em vez do “princípio da supremacia”). Importante, porém, a advertência de Schmidt-Assmann: “a determinação do bem comum é antes de tudo uma questão de direito positivo, que para respondê-la deixa normalmente à disposição prescrições procedimentais e materiais”.
A desambiguação do próprio conceito de “regime administrativo” parece pressupor, assim, a separação entre (i) um conjunto normativo razoavelmente definido ou delimitado (sobre posições, bens e direitos identificados ao direito administrativo), e (ii) um “modo de ser” específico do direito administrativo, um conjunto de propriedades que permitem diferenciá-lo no interior do sistema jurídico (uma ideia explicativa do direito administrativo, verificável pela análise sistemática das relações de reciprocidade entre público e privado no direito positivo).
Em seu contexto histórico, a noção de regime administrativo, quando de sua elaboração, parecia muito mais ligada a esse segundo sentido:
Précis Elémentaire de Droit Administratif
Por Maurice Hauriou
(7. ed. Paris: Sirey, 1911, capítulo I, seção I, § 1º, e seção II, título preliminar – tradução do autor)
Todos os Estados modernos comportam uma função administrativa a realizar, é dizer, assuntos de interesse geral e de utilidade pública que regem os poderes administrativos [polices] e os serviços públicos [services publics], mas essa função administrativa não é organizada, nos Estados, com a mesma feição, nem apresenta, em todos os Estados, a mesma importância. Há aqueles nos quais a organização da função administrativa não se acrescenta ao regime governamental do Estado, originando um regime administrativo. Há, ao revés, países nos quais um regime administrativo mais ou menos completo é congregado ao regime governamental.
É conveniente designar países sem regime administrativo aqueles nos quais a função administrativa não é assumida por um poder administrativo centralizado [pouvoir de police centralisé] que é um braço do Executivo governamental. O protótipo de país sem regime administrativo é a Inglaterra, onde, malgrado mudanças recentes, os serviços públicos, vinculados à regulamentação estatal dos assuntos de interesse geral, restam descentralizados, sujeitos somente ao controle do Poder Judiciário. Ao contrário, os países com regime administrativo são aqueles nos quais a função administrativa é assumida por um poder administrativo centralizado, que é, simultaneamente, braço do Executivo governamental e distinto do Poder Judiciário, comportando uma jurisdição dele apartada. O protótipo mais conhecido de país com regime administrativo é a França.
Resulta das explicações precedentes que há regime administrativo quando o Poder Executivo logra assumir a função administrativa. Se forem analisados os elementos que, reunidos, constituem o regime administrativo, torna-se possível distinguir três:
a) um princípio de ação, o poder administrativo [le pouvoir administratif], derivado do Poder Executivo;
b) um objetivo a atingir, a realização da função administrativa [l’accomplissement de la fonction administrative];
c) um método para obtenção dessa finalidade, a empresa de gestão administrativa [l’enterprise de gestion administrative].
Um primeiro ponto a ser notado é que a construção de Hauriou é visivelmente diferente das bases de construção do regime administrativo que examinamos até agora. O autor (1856-1929), que entraria para a história com uma espécie de “pai” do direito administrativo (e do institucionalismo histórico), era, até seus 32 anos, um professor de direito civil romano. [11] Depois de várias tentativas frustradas de ser admitido como professor de direito romano na Universidade de Paris, Hauriou aceitou, contrariado, a responsabilidade pela nova e enigmática cadeira de “direito administrativo” criada em 1888 na Universidade de Toulouse, na qual ele já lecionava direito romano como maitre de conférence. Quatro anos mais tarde, Hauriou começou a usar o método do direito romano – cuja legitimidade era canônica à sua época – para dar fundamento à suspeita novidade que era o direito administrativo. Estava em questão não apenas a inserção da nova disciplina no arquétipo da história do direito ocidental, mas, também, sua defesa como disciplina autônoma, merecedora de um status científico próprio. [12] Daí a categórica afirmação de Hauriou, em 1892, de que é apenas com a organização de um “regime” que se forma um “corpo de direito administrativo”. [13]
Muito diferente era o contexto brasileiro de recepção do “Natureza e regime jurídico das autarquias”, de Celso Antônio Bandeira de Mello. Publicada em 1968, mas escrita entre 1963 e 1966, a tese talvez não revelasse, logo de cara, seu potencial disruptivo. Mas ele estava ali, em seu oitavo capítulo (do qual acabamos de ler um excerto), que havia sido publicado à parte, alguns meses antes, como artigo independente (1967). [14] E as coisas não estavam nada bem no Brasil. O golpe de 1964 havia reduzido substancialmente as chances de sucesso político de qualquer jurista que – como ele – fosse opositor do regime militar e ativista na defesa das instituições democráticas. O regime administrativo, baseado no par de axiomas supremacia / indisponibilidade do interesse público, revelava-se uma ideia engenhosa. Ao vincular a administração pública ao interesse público, que é qualquer coisa mais complexa do que a vontade da autoridade, Celso Antônio Bandeira de Mello propunha parâmetros ético-jurídicos capazes de legitimar (ou deslegitimar) o exercício de poder político. Em um contexto autoritário, a ambiguidade do regime administrativo significava a crítica implícita ao governo, à autoridade administrativa que, sem qualquer permeabilidade ao “público”, age fora do que é justificável diante do “interesse público”.
Mas contextos históricos se dissolvem no tempo e no espaço. O Brasil não é a França, e o advento da Constituição de 1988 trouxe desafios importantes a essa construção teórica que, substancialmente, a antecede. Carlos Ari Sundfeld propõe algumas reflexões a respeito da necessária plasticidade do regime administrativo em seu novo contexto:
Direito administrativo no Brasil
Por Carlos Ari Sundfeld
(Revista de Derecho Administrativo, v. 17, 2019, p. 209-210, 213, e 217-219)
Em termos puramente lógicos, a existência, no Brasil, de um núcleo teórico comum, não pareceria bastante para afirmar o caráter sistemático e unitário do direito administrativo, tampouco a existência de algo que se possa considerar como um regime jurídico-administrativo formado pelas regras relativas aos temas cotidianos da ação administrativa, objeto das normas de direito administrativo.
No caso brasileiro não houve, nem há até o momento, uma grande lei fundadora ou agregadora do direito administrativo – como, em alguma medida, foram as leis de procedimento administrativo ou do contencioso administrativo em outros países. No Brasil, as leis mais gerais de processo administrativo começaram a surgir há poucos anos (no final dos anos 1990) e têm ainda conteúdo e âmbito de aplicabilidade restritos (até porque, além da União, cada estado e cada Município pode editar a sua). A Constituição mencionou a figura do processo administrativo, para assegurar o contraditório e a ampla defesa a litigantes e acusados. Só que o conteúdo dessas garantias e sua aplicabilidade em cada caso ficaram para ulterior deliberação legal ou regulamentar (e há normas singulares em diversos campos), ou para a interpretação judicial, que está longe de haver consolidado muitas orientações de aplicabilidade realmente geral. (…) Em resumo, o Brasil: a) não promoveu, por meio de legislação para as entidades estatais, unificação geral de regime em nenhum desses temas importantes (organização, propriedade, contratos, trabalho e processo administrativo); e b) não excluiu em bloco o uso, pela administração direta de qualquer dos Poderes e pelas autarquias, e menos ainda pelas entidades estatais privadas (empresas e fundações comuns), dos regimes jurídicos ditos privados. (…)
Desde a década de 1960, a estratégia doutrinária mais comum tem sido enunciar mais e mais princípios, com o objetivo de obter deles a identidade e autonomia do direito administrativo (preocupação teórica)5 e, ao mesmo tempo, usá-los como principal utensílio da prática jurídica (preocupação operacional). Isso muitas vezes provoca tensão e insegurança, pela falta de aderência entre o que o direito positivo efetivamente contém e o que os juristas dizem que ele é, ou deveria ser. (…)
Esse reflexo pode ser medido pelo prestígio da doutrina que defendeu a supremacia do interesse público sobre o privado não só como princípio geral, mas como verdadeira base de todo o direito administrativo. Pode parecer intrigante essa doutrina ter feito sucesso justamente nas décadas finais do século XX, quando o estado já estava envergando trajes empresariais e, por isso, a legislação administrativa ficara mais eclética. Mas o fato é que essa doutrina vingou, e só recentemente surgiu no Brasil um movimento forte para contestá-la. (…) Por que o empenho, no Brasil, em garantir a sobrevida dessa classificação público x privado como base essencial do direito administrativo? Que razões tem havido para se aferrar a ela?
Nos países que adotaram a dualidade de jurisdição, como a França, em que o Judiciário ficou em princípio como Justiça dos particulares e a administração ganhou a Justiça administrativa, manter alguma dicotomia parece indispensável, pois do contrário não se teria como distinguir as competências de cada jurisdição, a comum e a administrativa. Nesse caso, a dicotomia não poderia ser apenas subjetiva, considerar somente o sujeito envolvido no litígio, pois, no caso da França, p.ex., a Justiça administrativa nunca foi competente para todos os processos envolvendo a administração; parte deles ficou no âmbito de competência do Judiciário. Isso justificou a preservação da dicotomia público x privado, e a adoção do critério do interesse público para a distinção.
A utilidade de um conceito do direito administrativo como distinto do direito comum privado também pode existir em países sem dualidade de jurisdição e, portanto, sem Justiça administrativa. No modelo de alguns países latino-americanos, os processos contenciosos envolvendo direito administrativo, mesmo sendo de competência do Judiciário comum, seguem um regime processual específico, previsto na lei do contencioso administrativo e distinto do regime dos processos judiciais comuns (processos civis). Nesses países, são necessários critérios para distinguir a matéria contencioso-administrativa das matérias comuns, pois com esses critérios se identifica a lei processual aplicável. Para esses países, assim como para os que adotam a dualidade de jurisdição, faz sentido que o conceito de direito administrativo dê resposta ao problema prático fundamental de saber em cada caso qual o regime processual aplicável (o do processo contencioso-administrativo ou o do processo comum, civil). Logo, para esses países, distinguir o administrativo do privado é questão central do direito administrativo.
Mas, em termos de pura racionalidade, isso não têm tanta relevância no Brasil, onde não há Justiça administrativa nem um direito processual específico do contencioso administrativo. Entre nós, a divisão interna de competências judiciais não usa a dicotomia público e privado; e o regime geral aplicável aos processos judiciais das entidades estatais é o do direito processual civil. A Justiça estadual brasileira (a comum) é competente tanto para processos de pessoas comuns (não estatais) como de pessoas estatais. A Justiça federal é especializada em processos da União e das demais entidades estatais federais, o que inclui entidades federais de direito privado (salvo as sociedades de economia mista, cujas causas vão para a Justiça estadual) e processos de qualquer área do direito e com qualquer questão (não sendo importante saber se está presente ou ausente o interesse público, a autoridade pública ou coisas parecidas). (…)
A oposição entre o público e o privado tem contado com razões ideológicas para ser mantida. No Brasil, onde o estatismo foi forte desde o início – e só fez aumentar com o tempo – as ideias liberais sempre foram vistas com muita desconfiança. Nesse prisma ideológico, o público é o bem, o privado é o mal (que, aliás, cabe ao público corrigir). O direito administrativo é o direito do interesse público, do bem, enquanto o direito privado é o direito do egoísmo privado, do mal. Nesse ambiente polarizado, a conservação da dicotomia tem cumprido funções políticas antiliberais. Mesmo porque não se trata de dicotomia baseada na simples separação entre público e privado, mas na oposição entre eles, o público contra o privado. Assim, o direito administrativo ainda tem sido visto como um direito público contra o privado. (…)
É interessante observar que, com o passar do tempo e a luta pela democracia no Brasil – que seria alcançada na década de 1980 – muitos administrativistas, ao contrário do esperado, foram ficando mais e mais radicais na defesa de sujeições sobre os agentes estatais. Essa postura talvez seja a tentativa de repaginar, agora no ambiente democrático, a velha visão estatista e antiliberal: a base do direito administrativo seria ainda o antigo princípio da supremacia do interesse público sobre o privado (com extensos poderes para o estado desfazer os males do mundo privado), e esse princípio seria justificado e compensado pelo aumento das sujeições sobre o exercício da atividade estatal (para manter a máquina estatal vinculada aos interesses públicos, livrando-a dos desvios e da contaminação privada). O que dizer dessas concepções?
Parte significativa das soluções que o direito positivo concebe para o estado – inclusive as competências de autoridade e as sujeições – são especiais para ele, exclusivas dele. Constatar e descrever essa exclusividade tem sido útil e relevante. Mas isso não legitima que os intérpretes usem no direito administrativo algo como o princípio da antítese ao privado, princípio esse de conteúdo prescritivo, para o fim de levar as diferenças do direito estatal bem além do ponto em que o direito positivo as tiver colocado.
É natural e necessário que os administrativistas, olhando o direito positivo, reconheçam que, neste ou naquele caso, as normas deram tais e quais poderes ao estado ou lhe impuseram esta e aquela sujeição. Isso é o correto. Trata-se de simplesmente aceitar o que o direito positivo dispõe. Mas isso não é razão para administrativistas brasileiros se aferrarem à antítese entre público e privado como alicerce do direito administrativo todo, tampouco para sacarem dela princípios gerais do direito administrativo que aumentem do modo artificial os poderes do estado ou as sujeições dos agentes públicos. Em outros países, a distinção, mesmo tendo seus perigos, pode se justificar pela necessidade de oferecer critérios gerais para identificar a Justiça competente ou o regime de direito processual aplicável em cada caso. No Brasil não.
Assim, quem no Brasil, para fins de definição geral do direito administrativo, tem se apegado à antítese e a seus princípios gerais, está, de forma consciente ou não, tomando partido por interpretações estatistas e antiliberais para o direito administrativo, e aceitando que, mesmo sem base em normas específicas, se adote alguma presunção em favor de mais poderes para a administração ou mais sujeições sobre os agentes estatais. Afinal, é sobretudo para isso que, no plano da conceituação geral do direito administrativo, a antítese vem servindo no Brasil. Em suma, é preciso que o conceito de direito administrativo ainda evolua no Brasil, para o de um amplo direito estatutário, um direito comum para o estado, aceitando-se aquilo que já é realidade no direito positivo: a existência de regimes múltiplos, concebidos para as situações de que tratam. Esses regimes, construídos democraticamente pelo legislador, não podem ficar sujeitos ao veto de princípios com origem ideológica radical.
Em tempo de concluir esta segunda parte, trago aqui mais três textos sobre o regime administrativo. Em um texto de minha autoria, procuro mostrar, a partir de uma ideia original de Didier Truchet, como o regime administrativo pode ser utilizado para pensar outras relações entre público e privado que não de superioridade hierárquica ou de mútua exclusão, mas, sim, de complementariedade e aproximação. Os outros dois excertos compõem, na realidade, um diálogo. Luís Roberto Barroso defende uma versão do regime administrativo que, procurando desviar de sua formulação “menos liberal”, redefine a supremacia do interesse público como a superioridade constitucional de certos valores públicos do ordenamento jurídico. A proposta de Gustavo Binenbojm é a de que esse movimento teórico, em si, já desconstrói a ideia da “supremacia” como um princípio, deslocando a ênfase para o que há de propriamente “público” no regime de direito público.
Regime de direito público, instrumentos formais e elementos essenciais do contrato administrativo
Por Marco Antônio Moraes Alberto
(Lei de Licitações e Contratos Comentada, São Paulo: Quartier Latin, 2022, p. 577-579 e 583)
O regime administrativo serve para estabelecer padrões de relacionamento no interior do sistema jurídico, definindo a interação entre o direito administrativo e os demais ramos da dogmática jurídica. É no interior desse horizonte que devem ser compreendias as possíveis relações entre o direito público e o direito privado. Didier Truchet propõe quatro formas de relacionamento do direito público com o direito privado (o “direito comum”). Para o autor, podem existir entre direito público e privado relações de exclusão (“rapports d’exclusion”), relações de superioridade (“rapports de supériorité”), relações de complementariedade (“rapports de complémentarité”) e relações de aproximação (“rapports de rapprochement”).
No primeiro caso, há critérios de mútua excludência entre direito público e privado, de modo a fazer incidir, sobre determinada relação jurídica, ou direito público ou direito privado (relação de alternatividade). O exemplo típico é o de conceitos como “função pública em sentido estrito” ou “família”, que teriam a consequência de “atrair” a relação jurídica para um dos lados da dicotomia, excluindo a incidência do outro.
No segundo caso, há critérios hierárquicos que permitem deduzir, direta ou indiretamente, certa hierarquia entre direito público e direito privado. Esse é o caso do argumento publicista de que o direito privado só existiria por uma “autorização” do poder público, que pode ser derrogada a qualquer tempo. Também é o caso do argumento civilista da anterioridade do direito privado em relação ao direito público, o que o tornaria um “direito especial”, em contraposição ao direito privado, historicamente identificado como “o direito comum”.
No terceiro caso, há critérios de complementariedade que permitem a incidência simultânea do direito público e do direito privado a diferentes aspectos de uma mesma relação jurídica (relação de adição, e não de alternatividade). O exemplo típico é o da regulação pública de atividades econômicas praticadas em livre-iniciativa.
No quarto caso, por fim, há critérios de aproximação que indicam a paridade entre direito público e direito privado, ao estabelecer normas que procuram tutelar múltiplas demandas sociais, transversais ao público e ao privado. Este é o caso, por exemplo, do direito da concorrência, no qual as normas frequentemente se inspiram ou tomam de empréstimo categorias típicas tanto do direito público quanto do direito privado.
(…)
Quanto à segmentação público/privado, o relacionamento entre direito público e direito privado pode se dar por mútua exclusão (apartação recíproca, a relação jurídica é ou de direito público ou de direito privado), ou por complementariedade (a mesma relação jurídica pode ser tanto de direito público quanto de direito privado, a depender dos objetos, funções e direitos subjetivos envolvidos).
Por sua vez, quanto à posição relativa, direito público e direito privado podem ser encadeados de maneira hierárquica (um é inferior, subordinado, outro é superior, subordinante), ou de maneira paritária (direito público e direito privado estão no mesmo patamar hierárquico, e são aproximados ou distanciados nas relações jurídicas conforme as múltiplas demandas sociais acolhidas pelo ordenamento).
(…)
A própria Constituição de 1988 pressupõe vários espaços onde seriam necessárias maiores capacidades de articulação [por aproximação ou complementaridade] entre institutos tipicamente públicos e institutos tipicamente privados, caso dos mecanismos administrativos de tutela do meio ambiente “ecologicamente equilibrado” (art. 225), da organização do ensino e do “direito à educação em todos os seus níveis” (art. 205 a 210) e da prestação de serviços públicos em modalidade de livre-iniciativa (art. 170, IV e 175).
Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo
Por Luís Roberto Barroso
(9. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 75-76 e 86-87)
O regime jurídico de direito público funda-se na soberania estatal, no princípio da legalidade e na supremacia do interesse público. A autoridade pública só pode adotar, legitimamente, as condutas determinadas ou autorizadas pela ordem jurídica. Os bens públicos são, em linha de princípio, indisponíveis, e, por essa razão, inalienáveis. Aa atuação do Estado na prática de atos de império independe da concordância do administrado, que apenas suportará as suas consequências, como ocorre na desapropriação. Os entes públicos, como regra, só poderão firmar contratos mediante licitação, e admitir pessoal mediante concurso público. E a responsabilidade civil do Estado é objetiva. Violada uma norma de direito público, o Estado tem o poder-dever – não a faculdade – de restabelecer a ordem jurídica vulnerada. Além disso, normalmente, os atos do Poder Público são autoexecutáveis, independendo de intervenção judicial. Os atos públicos sujeitam-se a controles específicos, tanto por parte do próprio Poder que os praticou, como dos demais.
(…)
O Estado ainda é, portanto, protagonista na história da humanidade, seja no plano internacional, seja no plano doméstico. Sua presença em uma relação jurídica exigirá, como regra geral, um regime jurídico específico, identificado como de direito público. Os agentes do Estado não agem em nome próprio nem para seu autodesfrute. As condutas praticadas no exercício de competências públicas estão sujeitas a regras e princípios específicos, como o concurso, a licitação, a autorização orçamentária, o dever de prestar contas, a responsabilidade civil objetiva. No espaço público não reinam a livre-iniciativa e a autonomia da vontade, estrelas do regime jurídico de direito privado.
(…)
O interesse público primário, consubstanciado em valores fundamentais como justiça e segurança, há de desfrutar de supremacia em um sistema constitucional democrático. Deverá ele pautar todas as relações jurídicas e sociais – dos particulares entre si, deles com as pessoas de direito público e destas entre si. O interesse público primário desfruta de supremacia porque não é passível de ponderação; ele é o parâmetro da ponderação. Em suma: o interesse público primário consiste na melhor realização possível, á vista da situação concreta a ser apreciada, da vontade constitucional, dos valores fundamentais que ao intérprete cabe preservar ou promover.
Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização
Por Gustavo Binenbojm
(3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 103-104)
Luís Roberto Barroso apresenta uma visão intermediária do problema. Se, de um lado, não descarta inteiramente a utilidade da ideia da supremacia do interesse público, de outro lado, procede a uma ampla revisão de seus pressupostos teóricos, o que resulta em uma versão fraca do princípio.
(…)
O raciocínio do autor coincide em parte com o que aqui se vem de expor, salvo em um ponto: sua argumentação desconstrói o princípio da supremacia do interesse público, ao menos se conceituado tecnicamente como um princípio jurídico. Em outros termos, se bem compreendida, a posição doutrinária de Luís Roberto Barroso antes coincide do que diverge da tese aqui esposada.
Veja-se que não se nega, de forma alguma, a importância de um conceito de interesse público (como resultado de juízos ponderativos, e não como um pressuposto abstrato e apriorístico), mas tão-somente a existência de um princípio da supremacia do interesse público. Explica-se: se o interesse público, por ser um conceito jurídico indeterminado, só é aferível após juízos de ponderação entre direitos individuais e metas ou interesses coletivos, feitos à luz de circunstâncias normativas e fáticas do caso concreto, qual o sentido em falar num princípio jurídico que apenas afirme que, no final, ao cabo do processo ponderativo, será obtida uma solução (isto é, o interesse público concreto) que sempre prevalecerá? Em outras palavras: qualquer que seja o conteúdo desse “interesse público” obtido em concreto, ele sempre prevalecerá. Ora, isso não é um princípio jurídico. Um princípio que se presta a afirmar que o que há de prevalecer sempre prevalecerá não é um princípio, mas uma tautologia. Daí propor-se que é o postulado da proporcionalidade que, na verdade, explica como se define o que é o interesse público, em cada caso. O problema teórico verdadeiro, para o direito administrativo, não é a prevalência, mas o conteúdo do que deve prevalecer.
A ideia central desta aula é a de propor uma breve reflexão nem tanto sobre uma ou outra definição do regime administrativo em si, mas sobre as preocupações que de fato movem essa discussão. A beleza e a força desse debate não parecem estar na defesa de uma tese “correta”, ou de certos “axiomas” universalmente válidos, mas na consciência de que as perguntas sobre o que significa “público” no direito administrativo, e sobre a relação desse “público” com o universo privado, movem-se no ritmo da mudança social. Se exercida com consciência, transparência e responsabilidade, a busca por respostas para essas perguntas, embora admita caminhos contextualmente mais ou menos adequados, é permanente e persistente, como deve ser em uma sociedade democrática.
3. DEBATENDO
- Observando as quatro decisões jurisdicionais que estudamos nesta aula, você acredita que seria possível resolver os problemas ali tratados sem fazer referência ao “regime de direito público”? E sem recorrer à palavra “público”? Procure testar como essas decisões ficariam nesses dois registros.
- Os embargos de declaração na ADI 3396/2023 cuidam de empresas estatais. Você acredita que, por fazerem parte da administração pública indireta, todas as empresas controladas pelo Estado se submetem ao “regime administrativo”, o que as obrigaria, em todos os casos, à realização de concursos públicos para a contratação de pessoal?
- O RE n. 633782/2020 também lida com uma empresa estatal, a BH Trans, que recebeu da lei algumas competências que lhe permitem atuar em certas etapas do ciclo sancionatório (“ciclo de polícia”). Para você, a participação da BH Trans, uma sociedade de economia mista, em certos momentos do exercício do poder de polícia – de modo especial, no monitoramento e na fiscalização do tráfego urbano em Belo Horizonte – torna essa atividade menos “pública”? E no caso das atividades notariais, objeto da ADC 5/2007? Elas se tornam menos “públicas” pelo fato de serem exercidas por agentes privados, de maneira “análoga às atividades empresariais”?
- Tente mapear, na ementa da ADI 6218/2023, que trata das restrições estaduais à atividade pesqueira, os dois sentidos de “regime de direito público” que exploramos nesta aula. No documento, é possível distinguir, com clareza, quando se identifica esse regime a um conjunto de normas específicas, e quando ele é invocado como um preceito identificador do caráter “público” da proteção ao meio ambiente? Em sua perspectiva, que consequências podem advir desse modo de usar o conceito?
- Carlos Ari Sundfeld, no texto com o qual trabalhamos nesta aula, explora a relação da teoria brasileira do regime administrativo com certa tendência, historicamente persistente, de conceber o direito administrativo, como um todo, de maneira “estatista” e “iliberal”. Experimente virar do avesso esse diagnóstico: como seria um regime administrativo “cidadão” e “liberal”? De alguma maneira, ele poderia continuar a existir?
- Um dos traços mais marcantes da Lei n. 13655/2018, que inseriu os artigos 20 a 30 na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB), é o trazer conceitos gerais de direito administrativo, como ato administrativo, processo administrativo e jurisprudência administrativa, em uma Lei que não é “de direito administrativo”, mas, sim, transversal “ao direito brasileiro”. Como esse dado pode ser relacionado à tradição de conceber o direito público como o “lado B” do direito privado?
- Maria Paula Dallari Bucci, referência no debate brasileiro em torno da relação entre direito administrativo e políticas públicas, afirma que uma das razões metodológicas para as conceituar como programas “governamentais” de ação está “na existência do regime jurídico de direito público, determinado pela presença do Estado nos países da tradição jurídica continental”. [15] Procure explicar o sentido dessa afirmação, recorrendo ao sentido institucional que Hauriou atribuía ao conceito de regime administrativo.
- Domenico Sorace, um dos mais influentes administrativistas italianos, propôs recentemente que o direito das administrações públicas hoje assume caráter “mestiço”, pois inclui regras de caráter público, renovadas por força de compromissos internacionais assumidos pelos Estados, e, ao mesmo tempo, prevê o direito privado como disciplina de referência de uma série de atividades administrativas, de modo a não haver qualquer incompatibilidade básica entre os regimes público e privado. [16] Como a constatação desse direito “mestiço” se relaciona à ideia de “exorbitância” do direito público?
- Jean-Bernard Auby, importante administrativista francês, afirma que, em sua visão, o qualificativo “público” apenas complementa uma situação básica de direito comum, definida como categoria geral de direito. O agente público, por exemplo, poderia ser pensado como um trabalhador sujeito a uma relação comum de emprego, qualificada pela incidência de algumas regras públicas que incidem sobre as suas atividades, caracterizando-o como um agente “público”. [17] Em sua visão, esse mesmo raciocínio poderia ser aplicado a outras categorias gerais de direito administrativo, como contratos públicos, bens públicos, serviços públicos, atos administrativos e processos administrativos? Como e por quê? Indo ainda mais longe, em sua perspectiva, seria possível utilizar esse mesmo mecanismo básico para explicar o regime administrativo hoje?
- Considerando os possíveis padrões de interação entre público e privado, conforme discutimos nesta aula, desenhe uma tabela quadrangular cruzando os dois critérios de segmentação entre público e privado (mútua exclusão ou complementaridade), com os dois critérios envolvendo sua posição relativa (superioridade hierárquica ou aproximação paritária). Depois, experimente distribuir as seguintes situações ao longo dessa tabela: (a) disciplina dos contratos administrativos, nos termos dos artigos 89 e 104 da Lei n. 14133/2021; (b) revisões do regulamento do novo mercado pela B3, em colaboração com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM); (c) resolução de agência reguladora estadual, contendo obrigações de boa governança e sustentabilidade, para aumentar os índices de ESG das concessionárias por ela reguladas; (d) celebração de termo de cessação de conduta (TCC) junto ao CADE, no âmbito da regulação concorrencial de condutas; (e) disciplina dos contratos celebrados por empresas estatais, nos termos do artigo 68 da Lei n. 13303/2016; (f) regra dos precatórios, definida pelo artigo 100 da Constituição de 1988, para o pagamento de débitos públicos, de natureza não-alimentar, em virtude de decisão judicial.
- Em sua perspectiva, seria possível que, nos termos propostos por Gustavo Binenbojm, a teoria da ponderação constitucional substituísse os propósitos descritivos e prescritivos que a construção de Luís Roberto Barroso projeta sobre o “regime de direito público”? Por quê?
- Odete Medauar (op. cit., p. 370), escrevendo sobre o “regime jurídico-administrativo”, sublinha sua estranheza diante da ausência de algo como o “regime jurídico-penal”, o “regime jurídico-tributário” ou o “regime jurídico-comercial”. Para você, essa “estranheza” é justificável? Defensável? Ou só é algo muito esquisito mesmo?
[1] MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 3. ed. Brasília: Gazeta jurídica, 2017, p. 371-372.
[2] SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo no Brasil. Revista de Derecho Administrativo (PUC Peru), v. 17, 2019, p. 217.
[3] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Do contrato administrativo à administração contratual. Revista do Advogado, ano XXIX, nº 107. São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, 2009, p. 74-75.
[4] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 280.
[5] Melleray, Fabrice ; JAMIN, Christophe. Droit civil et droit administratif : dialogues sur un modèle doctrinal. Paris : Dalloz, 2018, p. VIII.
[6] SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. São Paulo: Malheiros, 2012. A segunda edição foi publicada em 2014, e a terceira, revista e ampliada, em 2025, sob o provocativo título “Direito administrativo para mais céticos”, pela editora Juspodivm.
[7] Para esse cuidado teórico, v. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo no Brasil. Revista de Derecho Administrativo (PUC Peru), v. 17, 2019, p. 292-297.
[8] Para o diagnóstico do “desencantamento de mundo”, na sociologia geral, levando à erosão de certa cosmovisão responsável pela manutenção da homogeneidade social nas esferas do pensar, do agir e do sentir, v. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Ed. Antônio Flávio Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2004 [1920]. Este processo, ainda na leitura weberiana, teria produzido certo “politeísmo de valores”, que está na base não apenas da emergência da sociedade contemporânea, mas, também, da ética moderna, calcada na individualidade e no valor apropriável do trabalho, elementos fortemente afeitos ao modo de produção capitalista.
[9] Tenho total consciência de que, desde o acordo ortográfico de 2009, não se deve grafar a palavra “fôrma” com acento circunflexo. No entanto, sou completamente incapaz de ler “forma”, sem o acento, e não a entender como sinônima de “formato”, “formalidade” ou “rito” (com a vogal aberta). Como quero designar, aqui, um molde, uma “fôrma”, e não uma “forma”, imaginei que seria melhor manter a forma antiquada da fôrma.
[10] Sobre a relevância da dogmática jurídica na elaboração, discussão e reconfiguração do que seria “adequado” à luz de certos pontos de partida, conjuntos de perguntas relevantes e modelos de respostas exemplares (paradigma), v. PECZENIK, Alexander. On law and reason. 2.ed.Berlim: Springer, 2008, p. 99. De acordo com o autor, a adequação significaria que determinada construção dogmática reúne os predicados da suficiência descritiva, da coerência lógica e da consistência pragmática e objetiva em face da prática comunicativa que se pretende interpretar. Para a relação entre a dogmática jurídica e a articulação de paradigmas como repositórios de sentidos possíveis e interpretáveis, v. AARNIO, Aulis. On the paradigm articulation in legal research. Rechtstheorie, suplemento n. 3, “On the advancement of theory and technique in law and ethics”, 1981.
[11] Para os dados biográficos de Maurice Hauriou citados nesta introdução, v. CORNU-THENARD, Nicolas. Le modèle romain du corps de droit administratif, dans la pensée de Maurice Hauriou. Revue Française d’Histoire des Idées Politiques, n. 41, 2015 ; BEAUD, Olivier. The State. Sorbonne-Assas Law Review, v. 1, 2011, p. 10-13; e TOUZEIL-DIVINA, Mathieu. Dix mythes du droit public. Paris : LGDJ, 2019, p. 115-153.
[12] Cf. CORNU-THENARD, Nicolas. Le modèle romain du corps de droit administratif, dans la pensée de Maurice Hauriou. Revue Française d’Histoire des Idées Politiques, nº 41, 2015, p. 217-218.
[13] “Il faut qu’il y ait un régime pour organiser (…) toutes les sciences juridiques de l’administration. L’organisation systématique du droit pénètre alors dans l’enseignement (…) et à la formation d’un ‘corps de droit administratif’” (HAURIOU, Maurice. De la formation historique du droit administratif français depuis l’an VIII. Revue générale d’administration, v. 44, 1892, p. 388-389).
[14] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo do regime jurídico-administrativo e seu valor metodológico. Revista de Direito Administrativo, v. 89, 1967.
[15] Auby, Jean-Bernard. Le rôle de la distinction du droit public et du droit privé dans le droit français. In: Auby, Jean-Bernard FREEDLAND, Mark. The public law / private law divide: une entente assez cordiale? La distinction du droit public et du droit privé : regards français et britanniques. Oxford: Hart, 2005, p. 17-18.
[16] Sorace, Domenico. Prospettive attuali del diritto amministrativo. In: SANDULLI, Maria Alessandra; VANDELLI, Luciano (orgs.). I servizi pubblici economici tra mercato e regolazione. Nápoles: Scientifica, 2016, p. 280-281.
[17] DALLARI BUCCI, Maria Paula. A abordagem ‘direito e políticas públicas’ no Brasil: quadros analíticos. Revista Campo de Públicas: conexões e experiências, v. 2 (1), 2023, p. 105.
4. APROFUNDANDO
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