Roteiro de Aula

Inclusão de Investimentos em Contratos de Parcerias

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1. CONHECENDO O BÁSICO

Se você chegou a essa aula, quer dizer que já estudou algo sobre contratos de concessão. Se não, sugerimos começar pela leitura do texto Para que servem as concessões?, de Vera Monteiro (ver seção “Aprofundando” desta aula). Aqui, vamos trabalhar um ponto específico das concessões: a possibilidade jurídica de serem incluídos novos investimentos no objeto de um contrato, não previstos à época de sua celebração.

Nessa situação, com a concordância das partes contratuais, seriam atribuídas novas obrigações ao contratado, que as implementaria mediante remuneração. Para deixar claro: altera-se o objeto original do contrato e a remuneração do contratado, considerando os custos com os novos investimentos que ele terá de fazer.

Antes de continuar a leitura, pare alguns minutos e reflita sobre o seguinte: por que seria necessário alterar o objeto de uma concessão?

Refletiu? Então pode voltar a ler.

A concessão apresenta, como uma de suas características marcantes, a mutabilidade. Alguns a inserem na categoria dos “contratos incompletos”, pois exige ajustes periódicos para compatibilizar as obrigações da concessionária com as demandas mutáveis da sociedade. Lembre-se: são contratos que costumam durar muitos anos — às vezes, muitas décadas. Por isso, os serviços delegados devem se submeter a adaptações periódicas, para que reflitam à realidade social.

Pense, por exemplo, em uma concessão de telefonia celebrada na década de 1990. Na época, o serviço majoritariamente utilizado pelas pessoas para falarem à distância umas com as outras era o telefone fixo. Havia pouquíssimos celulares e telefones públicos eram muito necessários. A internet ainda não havia sido popularizada, os planos de dados para telefones móveis eram algo ainda distante e Whatsapp, Telegram, Instagram e TikTok soariam como nomes alienígenas. Agora, imagine se o contrato de concessão celebrado não pudesse ser modificado para refletir as necessidades atuais dos usuários do serviço. Imagine se as obrigações contratuais da concessionária ainda fossem algo como instalar “x” telefones públicos por quarteirão.

Outro exemplo de situação que pode exigir a alteração de uma concessão é a ocorrência de um imprevisto significativo. Imagine que, após a assinatura do contrato de concessão de uma rodovia, em que devam ser feitas obras para ampliação da estrada, sejam descobertas limitações ambientais não detectadas previamente. Por exemplo, grandes blocos de pedras (“matacões”) subterrâneos, que precisarão ser removidos a alto custo para a concessionária conseguir executar suas obrigações.

Daí a necessidade de, em situações como essas, poder-se modificar o contrato de concessão ao longo de sua vigência.

A essa altura, você pode estar se perguntando o porquê de esse tema merecer uma aula própria. Bom questionamento. É que, em tese, a ideia de se alterar o objeto licitado pode desafiar o dever de licitar previsto no art. 175 da Constituição Federal. O artigo diz que “[i]ncumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

A partir do dispositivo constitucional, pode-se argumentar que, uma vez licitado, o contrato de concessão precisará manter as características do objeto anunciadas no edital de licitação. Caso contrário, haveria a modificação dos termos do serviço delegado e, possivelmente, violação do texto da Constituição. Você concorda com esse argumento?

A discussão sobre o tema é longa. Para formar sua opinião, você precisará se apropriar de outros elementos relevantes, sem os quais é impossível compreender esse debate jurídico em toda sua complexidade. É a esse objetivo que se dedica a próxima seção.

Antes de partir para ela, uma última coisa: ao longo da aula, utilizaremos algumas vezes a expressão “contratos de parceria”, que será explicada logo mais. Preste bastante atenção no que ela significa, ok?

2. CONECTANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA

Em primeiro lugar, analisaremos um excerto da Lei Geral de Concessões, que estabelece diretrizes para a elaboração dos editais de licitação, bem como as limitações enfrentadas pela administração pública quanto à definição do objeto e à posterior inclusão de investimentos no contrato.

Lei Geral de Concessões (Lei Federal n.º 8.987, de 1995)

Art. 18. O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente:

VII – os direitos e obrigações do poder concedente e da concessionária em relação a alterações e expansões a serem realizadas no futuro, para garantir a continuidade da prestação do serviço;

Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: V – aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações;

Para os contratos de concessão, a lei buscou introduzir uma lógica mais complexa e distinta daquela aplicada aos contratos administrativos tradicionais. Isso porque os chamados “contratos de parceria” (concessões comuns, patrocinadas ou administrativas, além de outras modalidades contratuais que possam se assemelhar, no regime jurídico, a uma concessão) se caracterizam por sua longa duração, pela relação direta com os usuários e pela interação contínua com a administração pública. Essas características os tornam particularmente sensíveis a alterações normativas, mudanças no comportamento dos usuários, inovações tecnológicas e, especialmente, à necessidade de inclusão de novos investimentos ao longo do tempo.

Investimentos adicionais em concessões e parcerias público-privadas

Por Lucas Leite Alves e Thiago Mesquisa Nunes
(Revista da Procuradoria Geral do Estado De São Paulo, São Paulo, n. 89, 2019, pp. 65-88)

Na estruturação de contratos complexos e de longo prazo, o horizonte de tempo envolvido impõe incertezas a respeito das circunstâncias que afetarão a execução contratual, tornando imprescindível a regulação dos impactos que tais incertezas geram sobre as partes e, no caso de concessões de serviço público, sobre a população de usuários dessa prestação essencial.

A possibilidade de realização de investimentos adicionais está vinculada à mitigação ou resolução dessas contingências e, no presente trabalho, o termo designa investimentos – execução de obras, realização de serviços ou aquisição de bens – que não possam ser previstos quando da estruturação original do projeto.

(…)

Sob o ponto de vista estritamente jurídico, há muito se reconhece a possibilidade de alteração de contratos administrativos para adequá-los ao interesse público, no que se convencionou denominar princípio da mutabilidade do contrato administrativo. Em relação aos contratos de concessão, justamente em razão de sua complexidade e de seu longo prazo de vigência, verifica-se maior suscetibilidade às incertezas trazidas pelo decurso do tempo e às consequentes imposições de flexibilidade na relação contratual.

Teoria Geral das Concessões de Serviço Público

Por Marçal Justen Filho
(São Paulo: Dialética, 2003, p. 75-76, 441-445)

Em termos objetivos, reconhece-se o cabimento da modificação em virtude da existência de uma dissonância entre as condições previstas por ocasião da outorga, consagradas no contrato de concessão, e a satisfação dos interesses coletivos. Manter as condições originalmente pactuadas significaria produzir a frustração do bem-comum, na medida em que não se reconheceria a existência de um serviço público adequado. Daí se pode extrair que a modificação das condições originais da concessão não envolve uma ‘prerrogativa’, mas um poder que se justifica como meio para realizar de modo mais satisfatório o bem comum. (grifamos)

Veja que parte da literatura especializada reconhece serem contratos cuja natureza é, por essência, evolutiva e adaptável. Assim, alterações são possíveis, desde que estejam fundadas no interesse público devidamente justificado.

Essa compreensão tem sido incorporada à prática administrativa. Um exemplo é a atuação da Agência Reguladora de Transportes do Estado de São Paulo (ARTESP), responsável pela gestão dos contratos de parceria no setor de transporte do estado. Vamos ver a orientação dada em um parecer da consultoria jurídica da entidade.

Parecer CJ/ARTESP 503/2021

15.3. Como consequência da aplicação do princípio da mutabilidade, em nome do interesse público poderá a Administração alterar unilateralmente as condições de execução do serviço previamente contratadas, de forma a produzir melhores resultados. (…) 16. Importante salientar que em diversas passagens a Lei federal nº 8.987/95 também revela a possibilidade de alteração contratual: art. 9º § 4º, art. 18, VII e art. 23, V. Tais dispositivos são aplicados subsidiariamente às concessões patrocinadas, ante o que dispõe expressamente o artigo 3º, § 1º, da Lei federal nº 11.079/2004.

A Lei federal 13.448, de 2017, que estabelece diretrizes para prorrogação e relicitação dos contratos de parceria dos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal, parece reforçar esse entendimento ao prever que a prorrogação dos contratos de parceria pode estar condicionada à inclusão de novos investimentos.

Lei Federal n.º 13.448, de 2017

Art. 3º O ministério ou a agência reguladora, na condição de órgão ou de entidade competente, adotará no contrato prorrogado ou relicitado as melhores práticas regulatórias, incorporando novas tecnologias e serviços e, conforme o caso, novos investimentos.

Art. 6º A prorrogação antecipada ocorrerá por meio da inclusão de investimentos não previstos no instrumento contratual vigente, observado o disposto no art. 3º desta Lei.

Art. 8º Caberá ao órgão ou à entidade competente, após a qualificação referida no art. 2º desta Lei, realizar estudo técnico prévio que fundamente a vantagem da prorrogação do contrato de parceria em relação à realização de nova licitação para o empreendimento.

§ 1º Sem prejuízo da regulamentação do órgão ou da entidade competente, deverão constar do estudo técnico de que trata o caput deste artigo:

I – o programa dos novos investimentos, quando previstos; (…)

Art. 10. As prorrogações de que trata o art. 5º desta Lei deverão ser submetidas previamente a consulta pública pelo órgão ou pela entidade competente, em conjunto com o estudo referido no art. 8º desta Lei.

Essa previsão legal foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.991/DF, ajuizada para questionar a constitucionalidade das prorrogações antecipadas de contratos. Embora o cerne da ação estivesse voltado à prorrogação propriamente dita, os Ministros teceram considerações relevantes sobre a possibilidade de inclusão de novos investimentos em contratos vigentes, reconhecendo a validade e legitimidade da previsão legal nesse sentido.

A inclusão de investimentos como condição para prorrogação contratual segue a mesma lógica jurídica da inclusão de investimentos em contratos em curso, ainda que não se discuta sua prorrogação. Em ambos os casos, o fundamento é a mutabilidade dos contratos de parceria.

ADI 5.991/DF

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SETOR FERROVIÁRIO. PRORROGAÇÃO ANTECIPADA DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO INC. II DO ART. 6º, DOS §§ 1º, 3º, 4º E 5º DO ART. 25 E DO § 2º DO ART. 30 DA LEI N. 13.448, DE 5.6.2017. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE.

(…)

5. A imutabilidade do objeto da concessão não impede alterações no contrato para adequar-se às necessidades econômicas e sociais decorrentes das condições do serviço público concedido e do longo prazo contratual estabelecido, observados o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e os princípios constitucionais pertinentes.

6. No investimento cruzado, não há alteração do objeto da concessão, mas alteração contratual para adequação do ajuste às necessidades mutáveis do interesse público.

(…)

Voto Carmem Lúcia (Relatora). 26. Pelas normas impugnadas, os concessionários são autorizados, como contrapartida, a realizar investimentos em malha ferroviária própria ou nas de interesse da Administração Pública, substituindo-se a obrigação de pagar por obrigação de fazer: é o denominado investimento cruzado.

30. A imutabilidade do objeto da concessão não impede alterações no contrato para adequar-se às necessidades econômicas e sociais decorrentes da dinâmica do serviço público concedido e do longo prazo contratual estabelecido, observados o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e os princípios constitucionais pertinentes.

(…)

Voto Gilmar Mendes. A assunção de novas obrigações de fazer para investimento em malhas do interesse da Administração Pública não desfigura o objeto do contrato de concessão ferroviária. Sendo o contrato de concessão um acordo bilateral que opera no interesse da Administração Pública, nada impede que, de forma acessória à obrigação principal de prestação adequada do serviço dentro da malha licitada, sejam também pactuadas obrigações não diretamente relacionadas ao empreendimento.

Também não reputo violado o princípio licitatório ante a transferência da obrigação de investimento do Poder Público. É que o preceito constitucional da licitação incide tão somente sobre contratações da Administração Pública com particulares, e não sobre aquelas havidas por agentes privados entre si, ainda que tais agentes sejam delegatários de serviço público.

Sem embargos da inexistência de vício constitucional na norma, é importante que o aplicador da política pública desenhada seja rigidamente controlado e fiscalizado, a fim de se garantir que a assunção dos compromissos de investimento em malha de interesse da Administração Pública seja opção tão ou mais vantajosa do que o recolhimento de outorga ou do que qualquer outra contraprestação que poderia ser imposta em favor do Poder Público

Por outro lado, a Lei Geral Contratações Públicas (Lei federal 14.133, de 2021) adotou postura mais restritiva ao tratar das alterações contratuais que modifiquem o escopo originalmente licitado. No entanto, é importante observar duas coisas:

  1. A Lei Geral Contratações Públicas aplica-se apenas subsidiariamente aos contratos de parceria, conforme entendimento consolidado;
  1. A lei 13.448, de 2017, afastou a incidência de dispositivos limitadores previstos no art. 65 da revogada lei 8.666, de 1993 (atualmente reproduzidos nos arts. 125 e 126 da nova Lei Geral Contratações Públicas), quando se tratar de inclusão de investimentos.

Lei Geral Contratações Públicas

Art. 125. Nas alterações unilaterais a que se refere o inciso I do caput do art. 124 desta Lei, o contratado será obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato que se fizerem nas obras, nos serviços ou nas compras, e, no caso de reforma de edifício ou de equipamento, o limite para os acréscimos será de 50% (cinquenta por cento).

Art. 126. As alterações unilaterais a que se refere o inciso I do caput do art. 124 desta Lei não poderão transfigurar o objeto da contratação.

Lei Federal n.º 13.448, de 2017

Art. 22. As alterações dos contratos de parceria decorrentes da modernização, da adequação, do aprimoramento ou da ampliação dos serviços não estão condicionadas aos limites fixados nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

Esse afastamento legal se justifica pelas diferenças estruturais entre os contratos de parceria e os contratos administrativos tradicionais — diferenças que envolvem aspectos como escopo, duração, alocação de riscos, interação com usuários e dinâmica financeira. Como consequência, órgãos de controle e a jurisprudência especializada não têm aplicado os limitadores da Lei Geral Contratações Públicas aos contratos de parceria. Nesse sentido, veja o entendimento adotado pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP) em pareceres dirigidos à ARTESP.

Parecer CJ/ARTESP nº 503/2021

Em relação à incidência dos limites previstos no artigo 65, § 1º, da Lei federal nº 8.666/935, a posição defendida pela Procuradoria Geral do Estado há muitos anos é no sentido de que tal dispositivo não se aplica aos contratos de concessão, conforme análise feita quando da aprovação pela Subprocuradoria Geral do Estado da Área da Consultoria Geral dos Pareceres CJ/ARTESP nº 06/2006 e 86/2006.

Contudo, apesar da viabilidade jurídica da inclusão de investimentos, é importante reconhecer que a ausência de balizas normativas claras pode comprometer a previsibilidade e a segurança jurídica desses processos. Nem o parceiro privado, nem a administração dispõem, hoje, de parâmetros normativos objetivos e uniformes para a proposição, avaliação e aprovação dessas inclusões.

O Tribunal de Contas da União (TCU), ao analisar a matéria, reconheceu a necessidade de estabelecer critérios e requisitos mínimos para a inclusão de investimentos, apontando elementos que devem ser considerados essenciais à sua fundamentação.

Acórdão TCU 1174/2018 – Plenário

Em específico sobre a fixação de limites para a inclusão de novos investimentos, o art. 22 da Lei 13.448/2017 prescreve que os limites a que alude o art. 65, §§ 1° e 2°, da Lei 8.666/93, não se aplicam aos contratos de concessões. No meu entender, ainda que não se adote o valor preconizado pela lei de licitações, seria recomendável que algum limite fosse escolhido e estabelecido no edital e no contrato, transparecendo a regra do jogo aos futuros participantes da licitação, e aos usuários, e conferindo maior segurança jurídica. (grifamos)

Acórdão TCU 2934/2019 – Plenário

Desvirtuamento da Licitação e Aumento Tarifário. 11. Nesse particular, vale observar que a definição da classe I-A como parâmetro técnico a ser observado para a BR-060/153/262/DF/GO/MG, acabou por orientar todo o processo de contratação e qualificação das empresas. Com a alteração do comprimento e dos parâmetros técnicos definidos em edital do contorno, as alterações acabaram por ferir o procedimento licitatório inicial e permitir novo nível tarifário significativamente superior ao inicialmente pactuado, dado que o impacto do investimento foi calculado em 20,62% da tarifa básica de pedágio (TBP).

(…)

Inobservância de Princípios Contratuais e Legais. 36. A questão essencial que se colocou nestes autos esteve nos impactos que as alterações incorporadas teriam nas condições efetivas da proposta e, consequentemente, nas tarifas pagas pelos usuários. A inclusão das três obras contempladas pela Resolução ANTT 5.142/2016 acabaria por inobservar comandos atinentes à manutenção das condições efetivas da proposta, do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e da modicidade tarifária requerida para a prestação de serviço adequado, em afronta ao art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal e arts. 6º, § 1º, e 9º, § 4º, da Lei 8.987/1995.

(…)

Influência da Concessionária na Definição e Projeto dos Investimentos. 29. (…). O que causa estranheza é o fato de a concessionária ter desenvolvido estudos de alto impacto no valor do empreendimento sem que possuísse documentação formal por parte do Poder Público que a autorizasse a investir seus recursos em projetos que poderiam ser refutados.

30. Apesar de o contrato de concessão admitir que a concessionária, incumbida de providenciar a aprovação do traçado do contorno junto à ANTT e aos municípios envolvidos, sugira a necessidade de extensão maior ou menor, inegável a exigência da participação das áreas técnicas da ANTT na definição da extensão ampliada para o traçado do contorno. Com isso, nos termos do Regimento Interno da ANTT (Resolução 3000, de 28/1/2009) seria de responsabilidade da Superintendência de Exploração da Infraestrutura Rodoviária (SUINF), subordinada a Gerência de Projetos de Rodovias (GEPRO), manifestar-se sobre a questão. A convalidação da GEPRO à extensão do contorno, ocorrida dez meses depois da ratificação efetuada pelo Diretor-Geral, não afastou a irregularidade no procedimento de alteração do traçado sem o devido respaldo técnico, fato que merece ser cientificado à ANTT.

Ausência de Participação e Controle Social. 58. Considerando que as próprias partes pactuaram que o contorno de Goiânia de classe especial precisaria ser incluído como relevante obra no contrato de concessão (1/5 do valor da tarifa), os instrumentos de participação e de controle social deveriam ter sido observados previamente à autorização de eventuais incrementos tarifários, o que não ocorreu.

Relevância do Desempenho da Concessionária. 52. Nesse particular, entendo oportuno tecer algumas considerações, uma vez que é da responsabilidade do concedente a verificação das condições da concessionária para o adimplemento contratual. No mesmo sentido, não vislumbro óbices em incluir a análise desse item na análise desta representação que versa sobre a qualidade dos investimentos no contrato de concessão da BR060/153/262/DF/GO/MG.

53. Se a concessionária não se desincumbe adequadamente das obrigações contratuais primárias, é pouco razoável que receba o encargo de realizar novas obras, conforme indicou a própria área técnica da ANTT. O contrato engloba um conjunto de produtos a ser entregue nos prazos determinados, cada um em evento pré-definido e com data específica. Assumir que a simples entrega de um desses produtos pretéritos, condicionante para a liberação da cobrança de pedágio, é condição suficiente para sanear atrasos subsequentes não encontra amparo no regramento contratual.

A literatura especializada também tem proposto diretrizes para orientar sobre metodologia, justificativas e limites aplicáveis à inclusão de novos investimentos em contratos de parceria.

Condições jurídicas para a ampliação do contrato de concessão rodoviária

Por Carlos Ari Sundfeld
(Direito Administrativo Contratual – Coleção Pareceres, v.2. São Paulo: Revista dos tribunais, 2013, p. 129-14)

Em suma, a inclusão de novos encargos é viável, desde que observados, fundamentalmente, estes dois limites: (1) os novos encargos devem guardar conexão com o objeto original do contrato; e (2) os novos encargos, tomados isoladamente, devem ser insuscetíveis de exploração autônoma e adequada pelo sistema das concessões. Observados esses limites, em princípio, é juridicamente viável a alteração contratual para acréscimos dos encargos da concessionária.

Investimentos adicionais em concessões e parcerias público-privadas

Por Lucas Leite Alves e Thiago Mesquisa Nunes
(Revista da Procuradoria Geral do Estado De São Paulo, São Paulo, n. 89, 2019, p. 65-88)

(i) a peculiar situação da concessionária enquanto detentora da infraestrutura na qual, no caso de execução de obras, os investimentos virão a ser realizados, sendo possível à concessionária, com muito mais eficiência, gerenciar as diversas atividades que devam ser executadas no local, compatibilizando as obras a serem realizadas e o serviço público prestado à população;

(ii) a existência de métodos alternativos de custeio do impacto financeiro dessas novas obrigações, entre os métodos de reequilíbrio econômico-financeiro previstos em lei ou no contrato, em oposição à rigidez do método de pagamento previsto na Lei federal no 8.666/93, cuja implementação depende da disponibilidade imediata de recursos orçamentários, com pagamentos correspondentes ao progresso de execução das obras;

(iii) a alocação ao concessionário de serviço público da responsabilidade pela implementação da infraestrutura que posteriormente virá a operar conduz a incentivos econômicos de grande relevância para que a infraestrutura seja implementada com qualidade ótima, na medida em que o próprio responsável pela execução das obras terá a atribuição de operá-las e, em especial, de mantê-las ao longo da vigência do contrato de concessão do serviço público; e, por fim,

(iv) quando pertinente, a alocação a concessionário de serviço público da responsabilidade pela implementação da infraestrutura que posteriormente virá a operar conduz a incentivos econômicos para que as obras sejam concluídas no menor prazo possível, já que essa antecipação permitirá a operação da infraestrutura em prazo menor do que o originalmente estimado, viabilizando a obtenção da receita tarifária correspondente.

3. DEBATENDO

  1. É possível prever, de largada, todos os investimentos e intervenções que deverão ser realizadas ao longo de um contrato de parceria? Se sim, em quais casos? Se não, por quê?
  2. O que caracteriza um investimento como necessário à continuidade ou à expansão do serviço concedido?
  3. Considerando os dispositivos constitucionais e legais, a inclusão de novos investimentos em contratos de parcerias vigentes, sem licitação, encontra amparo jurídico?
  4. Há isonomia entre os licitantes se, após a licitação, o contratado assumir encargos que nunca foram ofertados a seus competidores, no momento da licitação?
  5. Cláusulas contratuais que autorizem a inclusão futura de investimentos no contrato são compatíveis com a ideia de vinculação ao edital?
  6. Devem existir critérios normativos pré-definidos para balizar juridicamente a inclusão de novos investimentos em contratos de parceria? Justifique sua resposta.

4. APROFUNDANDO

ALVES, Lucas Leite; NUNES, Thiago Mesquita. Investimentos adicionais em concessões e parcerias público-privadas. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 89, p. 65-88, maio 2019. Disponível em: https://revistas.pge.sp.gov.br/index.php/revistapegesp/issue/view/8.

MONTEIRO, Vera. “Para que servem as concessões?”, em Curso de Direito Administrativo em Ação. São Paulo: Jus Podivm, 2024, p. 497-523.

RIBEIRO, Gabriela Miniussi Engler Pinto Portugal. Novos investimentos em parcerias. 2020. Dissertação (Mestrado Profissional em Direito) – Escola de Direito de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2020. Disponível em: https://hdl.handle.net/10438/30128.