1. CONHECENDO O BÁSICO
Hoje, nosso objetivo é entender como o direito brasileiro intervém na economia e organiza o mercado, e como o direito pode responder em caso de infração à ordem econômica. O chamado direito concorrencial, que faz parte do direito administrativo, enfrenta essas infrações e organiza o mercado por meio de soluções consensuais e repressivas, sempre de olho em princípios como livre iniciativa, valorização do trabalho, livre concorrência, defesa do consumidor e do meio ambiente.
Queremos mostrar por que esse direito é essencial para manter uma concorrência saudável que contribua para a integridade do mercado e o bem-estar de consumidores e trabalhadores.
Dentro do direito concorrencial, os Acordos de Leniência permitem que, em caso de investigação por infrações à ordem econômica, empresas colaborem com as autoridades em troca de imunidade ou redução de penalidades. Os Acordos são uma ferramenta poderosa para desmantelar cartéis e combater a corrupção, mas também trazem desafios, como a necessidade de coordenação entre os órgãos responsáveis e a insegurança jurídica para as empresas que optam por esses acordos.
Agora, vamos voltar um pouco para entender o contexto maior desse sistema. A concorrência, a competição existem desde que há comércio. Ela acontece sempre que duas ou mais partes disputam a mesma oportunidade de troca, de prestação de serviço ou de fornecimento de bens. Nessa disputa, podemos ter uma “guerra de preços” entre concorrentes, em um cenário de competição ideal, bem como a prática de infrações, que podem decorrer de condutas unilaterais ou coordenadas.
Entre as unilaterais, temos condutas praticadas por empresas com poder de mercado que podem afetar o controle de fornecedores e matérias-primas, bem como outras condutas colusivas, como acordos para fixar preços, divisão de clientes, divisão de fornecedores (conhecidos como cartéis) e outros comportamentos que os agentes econômicos realizam para sair na frente de seus concorrentes.
Recentemente, o Cade iniciou uma investigação de 33 multinacionais por formação de cartel para limitar a livre concorrência na busca de profissionais no mercado de trabalho. O órgão descobriu que as empresas compartilhavam informações sobre salários e benefícios de trabalhadores. Assim, nenhum profissional no radar das empresas investigadas recebia ofertas vantajosas, o que facilitava a manutenção do seu quadro de funcionários, bem como evitava uma competição dos funcionários por maiores benefícios e remunerações.
Histórias como essa são comuns. A necessidade de regulamentar essa competição surgiu na antiguidade, com o objetivo de evitar distorções que poderiam prejudicar tanto o mercado quanto os consumidores. No Brasil, essa preocupação evoluiu ao longo das décadas, ganhando força com a promulgação da Lei nº 12.529/2011, que reforçou o papel do CADE.
Além de prevenir concentrações econômicas prejudiciais, como fusões que criam monopólios, o CADE também se ocupa do controle de condutas, que podem ser ofensivas à livre concorrência no mercado. Essa atuação repressiva tem como foco identificar e punir práticas que prejudicam o mercado, como cartéis e abuso de posição dominante.
O artigo 36 da Lei nº 12.529/2011 descreve algumas dessas infrações: prejudicar a livre concorrência, dominar mercados relevantes, aumentar lucros de forma arbitrária ou abusar de posição dominante. Essas infrações podem ser horizontais, envolvendo empresas do mesmo mercado, ou verticais, afetando diferentes elos da cadeia produtiva.
O CADE analisa essas infrações sob duas perspectivas: infrações por efeito e por objeto. No primeiro caso, a Administração deve provar que a prática teve efeitos negativos sobre a concorrência. Já no segundo, algumas práticas, como cartéis, são consideradas ilícitas por sua própria existência, sem necessidade de avaliar seus efeitos. Esse modelo, inspirado na jurisprudência norte-americana, busca simplificar a punição de condutas que claramente prejudicam o mercado.
Por outro lado, na apuração de cartéis, o CADE conta com Acordos de Leniência, que permitem que o primeiro investigado a delatar uma prática anticompetitiva receba imunidade total ou uma redução significativa nas penalidades. Isso estimula a competição entre os envolvidos para ver quem colabora mais rápido, garantindo que as autoridades recebam as informações necessárias para punir os demais. É uma corrida para “mudar de lado”, aproveitando a rara oportunidade de escapar das sanções.
A lógica por trás desses acordos é simples, mas eficiente: cada participante de uma prática ilícita sabe que o incentivo à cooperação – ou “a cenoura” – foi oferecido a todos. Isso os força a decidir rapidamente se querem “mudar de lado” e garantir a segurança total contra sanções, pois quem não colaborar enfrentará as punições – “o bastão”. É o chamado “carrot and stick approach“, ou, em bom português, a estratégia da cenoura e do bastão.
No entanto, na prática, a execução desses acordos não é tão simples. No Brasil, a negociação e celebração de Acordos de Leniência Anticorrupção envolvem diversas instituições públicas atuando simultaneamente em processos administrativos, civis e penais, tanto nas esferas federal quanto estadual e municipal. Para que esse sistema funcione, é essencial que as autoridades envolvidas cooperem entre si. Assim como os agentes que cometem atos de corrupção se organizam de forma coordenada, o Estado também precisa agir de forma integrada para combater esses ilícitos de maneira eficaz e evitar a insegurança jurídica.
Ao mesmo tempo, além da repressão pelo CADE, as pessoas prejudicadas têm direito a processar os participantes de um cartel e buscar reparação pelos danos que sofreram. Essa tendência é muito forte nos EUA e na Europa, e começa a ganhar tração no Brasil com a publicação da Lei nº 14.470/2022.
No âmbito do direito brasileiro, verifica-se que em 2020 o CADE publicou o Guia de Programas de Leniência da Autoridade. O Guia em questão está em processo de revisão, tendo sido inaugurada uma consulta pública em 2024 para atualização dos seus termos, com a participação da autoridade e sociedade civil. Já, em 2023, celebrou-se o marco do primeiro acordo celebrado pela autoridade, em 2003, totalizando assim 20 anos de aplicação do instituto. Nesse período, foram celebrados mais de cem acordos, sendo uma média de 5 (cinco) por ano.
Diversos foram os casos em que o CADE iniciou suas investigações a partir de tais acordos, como é o caso do cartel no mercado de sistemas térmicos automotivos, cartel no mercado de transporte marítimo realizado por navios roll on roll off, cartel no mercado de fornecimento de tubos e conexões de polietileno de alta densidade para obras de infraestrutura de saneamento de água e esgoto e de fornecimento de gás, além de outros. Em relação à Lava Jato, por exemplo, dados atualizados indicam que a autoridade celebrou mais de 20 (vinte) acordos para investigação de cartéis envolvendo obras públicas.
Durante a aula, discutiremos as leituras sugeridas para aprofundar esses conceitos e debater como o Brasil pode avançar na aplicação de soluções consensuais e fortalecer a cooperação entre o CADE e outras instituições para combater corrupção, cartéis e outras infrações econômicas. Teremos também um momento participativo, com perguntas para consolidar os conceitos que apresentamos. Ao final, deixamos para vocês uma lista de leitura caso queiram se aprofundar no tema do direito concorrencial. Tenha certeza de que vale a pena!
2. CONECTANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA
Para compreender melhor a aplicação dos acordos de leniência e sua importância na defesa da concorrência, é essencial conhecer alguns conceitos instrumentais que facilitam sua operacionalização. Na próxima seção, exploraremos esses elementos de forma prática, destacando casos concretos, excertos de matérias jornalísticas e documentos oficiais. Esse aprofundamento permitirá uma visão mais clara sobre como os acordos funcionam na prática, seus impactos e os desafios envolvidos em sua implementação.
O que não pode faltar num programa de leniência? Três pilares. O primeiro é o alto risco de detecção, pois ninguém vai procurar a autoridade sem achar que vai ser pego. Depois vem o receio quanto às punições, pois o colaborador só vai à autoridade se tiver receio de ser punido. O Cade mostrou isso com sua agenda, quando passou a punir de uma maneira mais forte. Por último, a transparência, previsibilidade e segurança jurídica, que vêm com o tempo. A autoridade se sente confiante fazendo guias que reflitam sua prática. Essa foi a evolução do Cade (ATHAYDE, 2018).
Como deve ser a separação entre a equipe que negocia e a que investiga? Isso é fundamental. Quem negocia não pode investigar. Uma espécie de chinese wall é extremamente importante. O perfil do administrado brasileiro é desconfiado. Como vai dar segurança ao administrado de que as informações não serão utilizadas contra ele caso o acordo seja rejeitado? Mas aí, ao mesmo tempo, a pessoa que investiga está conduzindo o processo administrativo. Ele não vai separar os dois lados em sua mente – negociador e investigador. Além disso, dá segurança às próprias autoridades, pois não haverá questionamento de que a informação rejeitada foi utilizada indevidamente por quem investiga. Os servidores têm uma proteção muito maior, dado que não participam das negociações (ATHAYDE, 2018).
Motivação para celebração de acordos de leniência: o “truque da leniência” é fazer com que cada um dos potenciais delatores saiba que o incentivo da cooperação (a “cenoura”) foi oferecido para todos os participantes do ilícito, forçando-os a decidir se e quão rápido devem “mudar de lado” e receber a rara recompensa: certa e completa segurança contra a persecução judicial. Caso não cooperem, as sanções serão aplicadas a todos os demais coautores (“o bastão”). Trata-se, assim, do instrumento da “cenoura e do bastão” (“carrot and stick approach”). (ATHAYDE, 2019, p. 31)
Importância da coordenação institucional no combate à corrupção: Diante da atuação concomitante de diversas instituições públicas no âmbito da negociação e celebração de Acordos de Leniência Anticorrupção, com a condução de processos administrativos, civis e penais, eventualmente até nas esferas federal, estadual e municipal, as instituições competentes devem adotar um comportamento cooperativo. Se aqueles que praticam os atos de corrupção atuam de modo organizado, as instituições públicas também devem atuar de modo organizado para enfrentar os ilícitos de corrupção (ATHAYDE, 2019, p. 261)
Publicidade de documentos em casos de enforcement privado: Até abril de 2016, o Plenário do Tribunal Cade julgou seis casos instaurados em decorrência da celebração de Acordos de Leniência: (i) cartel dos vigilantes do Rio Grande do Sul (2007); (ii) cartel internacional dos peróxidos (2012); (iii) cartel internacional de cargas aéreas (2013); (iv) internacional de mangueiras marítimas (2015); (v) cartel internacional de perborato de sódio (fev./2016); e (vi) cartel internacional dos compressores (mar/2016). Observa-se que nos três primeiros casos, quando do julgamento do caso pelo Tribunal, nas respectivas versões públicas dos votos, houve transcrição de diversos trechos dos documentos da busca e apreensão e também de documentos do Acordo de Leniência. Já o termo de celebração do Acordo de Leniência em si, o Histórico de Infrações e algumas provas colhidas em sede de busca e apreensão se encontram em apartado de acesso restrito às representadas no processo. Em todos os casos, ao longo do processo, os representados tiveram acesso à íntegra das informações e materiais oriundos dos Acordos de Leniência e TCC (ATHAYDE e LIN FIDELIS, 2023, p. 100 – 102).
Sobre a penalização por cartel: Assim, aqueles que optaram por não colaborar com a autoridade devem ser severamente sancionados, com toda a força que a legislação antitruste permite, inclusive mediante a penas acessórias, como proibição de licitar e – caso necessário – a imposição de remédios estruturais às empresas integrantes do conluio. Nesse contexto, inclusive, seria importante que o CADE começasse a expandir a aplicação de sanções para além da meramente pecuniária, impondo outras sanções, previstas na legislação antitruste, especificamente em seu art. 38, que não são rotineiramente aplicadas pela autoridade. (ROS, 2020, p. 62).
O que garante a efetividade de um programa de leniência? Um efetivo programa de leniência depende da presença de alguns fatores. Em primeiro lugar, a lei há de trazer incentivos (benefícios) efetivos ao autor da delação; do contrário, tornar-se-á letra morta. Em segundo lugar, o programa não pode ser tão generoso a ponto de não desincentivar a prática de infrações administrativas (como seria o caso, por exemplo, de um programa que beneficiasse igualmente todos os infratores). Adicionalmente, os diferentes programas de leniência, em um mesmo ordenamento jurídico, devem guardar coerência entre si, sob o risco de, em não o fazendo, criarem-se antinomias que aumentem a insegurança jurídica e, por conseguinte, dissuadam a sua celebração. A coerência deve ser buscada não apenas na seara administrativa, mas também com a esfera penal, na medida em que alguns ilícitos constituem simultaneamente infrações administrativas e crimes. (SAMPAIO e CANETTI, 2018, p. 276).
Quais são as infrações à ordem econômica? As infrações estão descritas no art. 36 da Lei 12.529/2011, e incluem limitar a livre concorrência ou a livre iniciativa; aumentar arbitrariamente os lucros; abusar de posição dominante de mercado, dentre outras condutas.
Além da multa pecuniária, quais outras sanções podem ser aplicadas pelo CADE em casos de cartel? A Lei nº 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, prevê sanções não pecuniárias aplicáveis às infrações contra a ordem econômica. Dentre essas penalidades, está a obrigação do infrator de publicar, às suas expensas, um extrato da decisão condenatória em jornal indicado na decisão, por dois dias consecutivos, podendo ocorrer de uma a três semanas seguidas. Além disso, a legislação determina a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e de participar de licitações públicas em qualquer esfera da administração pública, incluindo entidades da administração indireta, pelo prazo mínimo de cinco anos. Outra sanção prevista é a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor, uma medida que pode impactar sua reputação e credibilidade no mercado. A legislação também permite que órgãos públicos sejam recomendados a adotar providências específicas, como a concessão compulsória de licença sobre direitos de propriedade intelectual quando a infração estiver relacionada ao seu uso, bem como a restrição de benefícios fiscais, com o impedimento do parcelamento de tributos federais ou o cancelamento de incentivos fiscais e subsídios anteriormente concedidos. Além disso, podem ser impostas medidas estruturais, como a cisão da sociedade, a transferência de controle societário, a venda de ativos ou a cessação parcial da atividade da empresa, sempre visando restabelecer a concorrência no mercado. Outra penalidade severa prevista é a proibição de exercer o comércio, seja em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica, pelo período de até cinco anos. Por fim, a lei ainda autoriza a aplicação de qualquer outro ato ou providência necessária para eliminar os efeitos nocivos decorrentes da infração à ordem econômica, garantindo a proteção da livre concorrência e o funcionamento equilibrado do mercado.
Quais são os requisitos para celebrar um acordo de leniência? O acordo de que trata o caput deste artigo somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I – a empresa seja a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação; II – a empresa cesse completamente seu envolvimento na infração noticiada ou sob investigação a partir da data de propositura do acordo; III – a Superintendência-Geral não disponha de provas suficientes para assegurar a condenação da empresa ou pessoa física por ocasião da propositura do acordo; e IV – a empresa confesse sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento (Lei 12.529/2011. Art. 86 § 1º).
Uma proposta de Acordo de Leniência pode ser rejeitada pelo Cade? Sim. Uma proposta de Acordo de Leniência pode ser rejeitada pelo Cade por diversas razões, dentre as quais se exemplifica as seguintes: I. não apresentação da proposta do Acordo de Leniência no prazo de até 30 (trinta) dias da concessão do Termo de Marker (vide pergunta 43, supra); II. ausência de cooperação, ao longo da negociação, seja pelo não fornecimento das informações e documentos requisitados pela Superintendência-Geral do Cade, seja pela obstrução às investigações, de qualquer modo (vide pergunta 53, supra); III. insuficiência das informações e/ou documentos para evidenciar a prática noticiada ou sob investigação; IV. não demonstração dos efeitos da infração praticada em território estrangeiro no território nacional (CADE, 2016, p. 33).
Em caso de rejeição da proposta de Acordo de Leniência, quais as garantias dos proponentes? Nos termos dos artigos 86, §10º, da Lei nº 12.529/2011 e 246 do RICade, na hipótese de rejeição da proposta pelo Superintendente-Geral do Cade – ou de desistência por parte do proponente –, a mesma não poderá ser divulgada, sendo que todos os documentos serão devolvidos e as informações e os documentos apresentados pelo proponente durante a negociação não poderão ser utilizados para quaisquer fins pelas autoridades que a eles tiveram acesso. Fica, todavia, ressalvada a possibilidade de ser instaurado procedimento investigativo baseado em indícios ou provas autônomas que chegarem ao conhecimento da SG/Cade por outros meios, conforme o art. 246, §4º, do RICade. Caso a proposta de Acordo de Leniência seja finalmente rejeitada pela SG/Cade, é possível que o proponente obtenha um documento formal denominado “Termo de Rejeição”, no qual a SG/Cade declarará que as informações e documentos apresentados pelo proponente não foram capazes de comprovar a infração noticiada ou sob investigação, ou que não foram cumpridos quaisquer outros requisitos exigidos pelo artigo 86, §1º da Lei no 12.529/2011. Ademais, na hipótese de rejeição da proposta pelo SG/Cade – ou de desistência por parte do proponente (vide perguntas 40 e 41, supra) –, caso haja outros proponentes na “fila de espera”, o Chefe de Gabinete da SG/Cade entrará em contato com o próximo proponente do Acordo de Leniência, na ordem de registro do seu pedido, para que sejam convidados a negociar novo Acordo de Leniência (CADE, 2016, p. 33 – 34).
Quais são os procedimentos de confidencialidade do Cade na fase de apresentação de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação? A confidencialidade da proposta e de todo o processo de negociação de Acordo de Leniência é tanto uma garantia dada ao proponente pela Superintendência-Geral do Cade (art. 86, §9º, da Lei no 12.529/2011 c/c art. 241, §§ 1º e 2º, do RICade) quanto um dever do proponente, sob pena de prejudicar o bom andamento das investigações. A SG/Cade segue um conjunto de procedimentos visando à garantia de confidencialidade durante a fase de apresentação de informações e documentos, tais como: I. o acesso à informação sobre a negociação é restrito ao Superintendente-Geral, ao Superintendente Adjunto, ao Chefe de Gabinete da Superintendência-Geral e aos servidores da Chefia de Gabinete da SG/Cade, responsáveis pela condução da negociação do Acordo de Leniência; II. as informações apresentadas à Chefia de Gabinete da SG/Cade são acessadas apenas por servidores dessa unidade; III. os documentos apresentados para análise da SG/Cade durante a negociação são guardados em sala-cofre e são acessados apenas por servidores da Chefia de Gabinete da SG/Cade (CADE, 2016, p. 38 – 39).
O signatário de um Acordo de Leniência pode responder por ação de reparação de danos? Sim. Os prejudicados pela conduta anticompetitiva poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais e homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do Inquérito ou Processo Administrativo em curso, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação de ressarcimento (art. 47 da Lei nº 12.529.2011). A Lei nº 12.529/2011 não impõe ao signatário do Acordo de Leniência a obrigação de ressarcir eventuais consumidores lesados como uma condição sine qua non para a celebração do Acordo de Leniência. Todavia, a lei também não exime o beneficiário da leniência de responder por danos concorrenciais em eventual ação civil pública e/ou ação privada de ressarcimento de danos movida em face do beneficiário da leniência e demais coautores (CADE, 2016, p. 52).
Como as vítimas de cartel podem pedir indenização de seus prejuízos? As ações de indenização por danos decorrentes de cartéis são mecanismos pelos quais os prejudicados podem buscar a reparação dos prejuízos causados pela prática anticompetitiva. Diferentemente das multas aplicadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que são destinadas ao Fundo de Direitos Difusos e não aos lesados diretamente, a ação judicial permite que os afetados busquem indenização pelos danos sofridos. De acordo com o artigo 47 da Lei nº 12.529/2011, os prejudicados podem ingressar na justiça para pleitear tanto a cessação da conduta anticompetitiva quanto o ressarcimento por perdas e danos. Esse direito pode ser exercido independentemente da existência de um inquérito ou processo administrativo no CADE, que não será suspenso em razão do ajuizamento da ação judicial. Uma característica relevante dessa ação é que, nos casos de infração à ordem econômica descritos nos incisos I e II do § 3º do artigo 36 da referida lei, os prejudicados têm direito a um ressarcimento em dobro pelos prejuízos sofridos. Isso significa que a indenização não se limita ao dano efetivo, mas impõe um pagamento que também visa desestimular a prática ilícita. No entanto, a lei prevê um tratamento diferenciado para aqueles que colaboram com as autoridades por meio de acordos de leniência ou Termos de Compromisso de Cessação de Prática (TCC). Esses colaboradores não são obrigados ao pagamento em dobro e também não respondem solidariamente pelos danos causados pelos demais participantes do cartel. Ou seja, sua responsabilidade é limitada ao prejuízo que diretamente causaram aos lesados. Assim, as ações indenizatórias por cartel desempenham um papel importante na reparação dos danos causados pela violação da ordem econômica, garantindo que os prejudicados possam ser compensados pelos efeitos da conduta ilícita. Além disso, a possibilidade de ressarcimento em dobro reforça o caráter dissuasório da legislação antitruste, desencorajando a formação de cartéis e promovendo um ambiente de mercado mais competitivo e justo.
3. DEBATENDO
- Leia e preencha com dados fictícios um modelo padrão de acordo de leniência disponibilizado pelo CADE, acessível neste link. Além da empresa signatária, quem são os signatários do Acordo? Qual é a importância de cada um no Acordo?
- Quais provas podem ser apresentadas para a celebração do Acordo?
- Quando se considera que o Acordo foi cumprido? O que pode levar à decretação de seu descumprimento?
- Leia o modelo de histórico da conduta disponibilizado pelo CADE, acessível neste link. Elabore um relato cronológico fictício de uma conduta de cartel que pode ser objeto de Acordo de Leniência. Lembre-se das infrações à ordem econômica descritas no art. 36 da Lei 12.259/2011. Acrescente o máximo de detalhes à sua narrativa, não se esquecendo de delatar outras empresas ou pessoas que possam estar envolvidas na conduta.
- Imagine que, como trabalhador, você foi afetado pelo cartel das empresas que combinavam para não aumentar o salário de seus funcionários. Com base no art. 47 da Lei 12.529/2011, escreva uma petição simples pedindo a reparação do dano. Elabore a narrativa dos fatos e demonstre a fundamentação do seu direito. Lembre-se que estamos pedindo o ressarcimento em dobro pelos prejuízos sofridos.
4. APROFUNDANDO
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