1. CONHECENDO O BÁSICO
A administração pública pode prestar serviços públicos e desempenhar outras atividades de interesse coletivo de forma direta, por meio de seus próprios órgãos, ou de forma indireta, mediante a celebração de contratos com a iniciativa privada. As concessões comuns e as parcerias público-privadas em sentido estrito (PPPs), disciplinadas, respectivamente, pela Lei Federal 8.987/1995 e pela Lei Federal 11.079/2004, são os exemplos mais usuais de contratos firmados entre o poder público e particulares para a oferta de bens e serviços de utilidade pública. No entanto, a legislação prevê outras formas contratuais de associação público-privada que apresentam estrutura jurídica semelhante à das concessões e PPPs. Trata-se de contratos de longo prazo — alguns com duração superior a 30 anos — que envolvem a exploração, por um particular, de um serviço ou ativo público, mediante elevado volume de investimentos e a assunção de diversos riscos e incertezas relacionados à atividade explorada. O art. 1º, §2º, da Lei Federal 13.334/2016 denomina “contrato de parceria” todo contrato que reúna essas características, e é essa a expressão que utilizaremos aqui.
À primeira vista, pode parecer que a celebração de um contrato de parceria desonera a administração pública, liberando recursos para outras finalidades. Em parte, isso é verdade: ao transferir a exploração de um ativo ou a prestação de um serviço público para um particular, o poder público se desincumbe da execução direta dessas atividades, podendo direcionar seus recursos financeiros, servidores e estruturas administrativas para outras prioridades. Por outro lado, o contrato de parceria também impõe novas responsabilidades à administração. Entre elas, destacam-se a fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais, a análise dos pleitos da concessionária, o monitoramento da qualidade dos serviços prestados e a aferição do grau de satisfação dos usuários — tarefas que surgem com a assinatura do contrato e permanecem ao longo de toda a sua vigência.
Como estamos falando de contratos complexos, de longa duração e que exigem altos investimentos, a gestão de um contrato de parceria também se revela altamente sofisticada. As próprias fases anteriores à sua assinatura já indicam esse grau de complexidade: a estruturação de contratos de parceria costuma envolver equipes multidisciplinares compostas por servidores públicos e especialistas contratados, que trabalham durante meses e realizam diversas rodadas de reuniões, audiências e consultas públicas até a finalização dos documentos licitatórios.
Durante sua extensa vigência, o contrato de parceria poderá ser impactado por fatores imprevistos, como o surgimento de novas tecnologias, situações de calamidade pública ou crises econômicas, políticas, sociais ou ambientais. Diante da multiplicidade de eventos futuros imprevisíveis, os contratos de parceria mais recentes têm incorporado mecanismos destinados a lidar com tais situações. Entre eles, destacam-se a previsão detalhada da matriz de riscos, a possibilidade de revisões contratuais ordinárias e extraordinárias, e a regulamentação dos processos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro contratual. Frequentemente, a aplicação dessas cláusulas exige conhecimentos técnicos aprofundados sobre a lógica econômico-financeira dos contratos. Por exemplo, o cálculo do valor a ser pago à concessionária em razão de um desequilíbrio contratual demanda domínio, por parte da administração pública, de conceitos como taxa interna de retorno, valor presente líquido e fluxo de caixa marginal, além da capacidade de aplicá-los por meio de fórmulas matemáticas complexas.
Além de lidar com o imprevisível, a execução de um contrato de parceria frequentemente envolve a atuação de múltiplos atores, públicos e privados, inclusive em diferentes esferas federativas. Em alguns casos, a exploração contratual incide sobre bens pertencentes a outro ente federativo — como ocorre nas concessões de unidades de conservação estaduais que abrigam cavernas, bens da União, cuja exploração exige a celebração de instrumento de cessão de uso entre os entes envolvidos. Em outras situações, a concessionária precisará interagir continuamente com outros contratados do poder público ou com entes públicos que atuam na mesma área, como ocorre nas concessões de rodovias cujas faixas de domínio são utilizadas por concessionárias de energia ou por empresas de telecomunicações. Nesses contextos, instrumentos de coordenação federativa e intersetorial tornam-se essenciais para viabilizar a execução do contrato.
A execução de contratos de parceria também está sujeita a interferências de natureza política e ideológica. Considere que, ao longo de um contrato com duração de 30 anos, o cargo central do Poder Executivo poderá ser ocupado por representantes de correntes políticas opostas àquela que firmou a parceria. Embora, em teoria, os contratos devessem ser cumpridos normalmente independentemente das trocas no comando do Executivo, a prática mostra que isso nem sempre ocorre. As consequências dessas interferências incluem a descontinuidade na prestação dos serviços à população, prejuízos à reputação do Estado brasileiro perante os investidores e o acúmulo de passivos judiciais e regulatórios que precisarão ser enfrentados pelas gestões futuras.
Além das capacidades técnicas e políticas, o desempenho dos projetos de parceria também é influenciado pela forma como a administração pública se organiza internamente para realizar a gestão contratual, bem como pela disponibilidade de recursos físicos e humanos necessários ao desempenho das funções exigidas pela complexidade desses contratos.
Nessa aula, vamos conversar sobre como a administração pública se organiza internamente para gerir os seus contratos de parceria e sobre dois instrumentos de gestão contratual que têm sido previstos nos contratos mais recentes: o verificador independente e os comitês de governança.
2. CONECTANDO-SE COM A REALIDADE JURÍDICA E ADMINISTRATIVA
A gestão de um contrato de parceria envolve um conjunto de atividades administrativasfundamentais para a sua execução ao longo de todo o prazo de vigência[1], incluindo a verificação do cumprimento de indicadores de desempenho, o tratamento e fornecimento de informações aos usuários, a condução de processos sancionatórios, a garantia do equilíbrio econômico-financeiro contratual e a realização de revisões e reajustes tarifários. Além de conhecimento técnico e dos recursos materiais adequados, essas tarefas demandam a coordenação e articulação de múltiplas competências e instâncias decisórias, a integração e disciplina dos atores, públicos ou privados. Também é necessário lidar com eventos que possam impactar a execução contratual, garantindo a estabilidade e eficácia do contrato ao longo do tempo. A efetividade desse processo, por sua vez, depende da disponibilidade de instrumentos e recursos para viabilizar sua implementação.
A administração pública pode adotar diferentes arranjos institucionais para a gestão de seus contratos de parceria. Normalmente, o exercício dessa função se concentra no órgão da administração direta que exerce o papel de poder concedente. Nesses casos, a responsabilidade costuma recair sobre a secretaria de governo da pasta à qual está vinculado o objeto da parceria, sendo designado um agente público para assumir formalmente a função de gestor do projeto. A Lei Federal 8.987/1995 impõe ao poder concedente uma série de encargos relativos à gestão contratual.
Lei Federal n.º 8.987/1995
CAPÍTULO VII
DOS ENCARGOS DO PODER CONCEDENTE
Art. 29. Incumbe ao poder concedente:
I – regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação;
II – aplicar as penalidades regulamentares e contratuais;
III – intervir na prestação do serviço, nos casos e condições previstos em lei;
IV – extinguir a concessão, nos casos previstos nesta Lei e na forma prevista no contrato;
V – homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas na forma desta Lei, das normas pertinentes e do contrato;
VI – cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais da concessão;
VII – zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucionar queixas e reclamações dos usuários, que serão cientificados, em até trinta dias, das providências tomadas;
VIII – declarar de utilidade pública os bens necessários à execução do serviço ou obra pública, promovendo as desapropriações, diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis;
IX – declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins de instituição de servidão administrativa, os bens necessários à execução de serviço ou obra pública, promovendo-a diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis;
X – estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio-ambiente e conservação;
XI – incentivar a competitividade; e
XII – estimular a formação de associações de usuários para defesa de interesses relativos ao serviço.
Art. 30. No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária.
Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários.
Note que o art. 30 da Lei Federal 8.987/1885 autoriza o poder concedente a fiscalizar a concessão por órgão próprio ou por entidade com ele conveniada.
Em alguns estados e municípios, há unidades ou setores especializados em contratos de parceria, que costumam atuar de maneira transversal em relação a outros órgãos e entidades públicas, desde a concepção do projeto até a fase de gestão contratual. No Estado de Mato Grosso do Sul, por exemplo, o Escritório de Parcerias Estratégicas (EPE) é um órgão de regime especial, vinculado à Secretaria de Estado de Governo e Gestão Estratégica, com competências para atuar em todas as fases dos projetos de parceria estaduais, inclusive na gestão contratual. Embora o EPE não assuma, em regra, o papel de poder concedente, o órgão pode atuar em apoio às secretarias finalísticas do Estado na gestão dos seus respectivos contratos de parceria.
Lei Estadual n.º 5.829/2022
Institui o Programa de Parcerias do Estado de Mato Grosso do Sul (PROP-MS)
Art. 5º Fica reestruturado o Escritório de Parcerias Estratégicas (EPE) como órgão de regime especial, vinculado à Secretaria de Estado responsável pela coordenação das ações de governo e pelo planejamento estratégico, ao qual compete:
[…]
VI – formular diretrizes, elaborar planos e executar atividades operacionais e de coordenação de projetos de parceria, bem como aprimorar as etapas e as regras de governança para o acompanhamento e execução de contratos de parceria e de modelagens que envolvam a alienação do controle de empresa estatal;
XV – auxiliar órgãos e entidades estaduais na gestão dos contratos de parceria e nas modelagens que envolvam a alienação do controle de empresa estatal, fornecendo subsídios, auxílio técnico e de pessoal, e apoiando-os na tomada de decisões, na fiscalização, na verificação independente, no desenvolvimento de ferramentas de gestão contratual, nos processos de verificação e de recomposição de equilíbrio econômico-financeiro e quaisquer outras atividades necessárias para a adequada execução contratual;
XVI – sugerir a constituição de comissões de acompanhamento da execução do contrato, composta por representantes dos órgãos ou das entidades envolvidos nas atividades de gestão contratual;
XVII – auxiliar os órgãos ou as entidades responsáveis pela implementação dos projetos em processos administrativos de aplicação de penalidades e de término antecipado dos contratos de parceria, fornecendo subsídios, auxílio técnico e de pessoal para o cálculo de indenizações, acionamento de seguros e garantias, reversão de bens e ativos, dentre outras atividades relacionadas ao tema;
Outro formato possível envolve a atuação de empresa estatal no apoio à fiscalização e gestão de contratos de concessão. No Município de São Paulo, a São Paulo Parcerias (SP Parcerias), sociedade de economia mista vinculada à Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias, tem assumido papel relevante na estruturação de novas parcerias e no apoio à implementação desses projetos pela administração pública municipal.
Lei Municipal n.º 14.517/2007
Institui o Programa Municipal de Parcerias Público-Privadas, cria a Companhia São Paulo de Parcerias – SPP e dá outras providências
CAPÍTULO IV
DA SÃO PAULO PARCERIAS – SP PARCERIAS
Art. 13. Fica o Executivo autorizado a constituir pessoa jurídica, sob a forma de sociedade por ações, denominada São Paulo Parcerias – SP Parcerias, vinculada à Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias, tendo por objeto social:
[…]
IV – estruturar projetos de infraestrutura, concessões, parcerias público-privadas, desestatização e outros projetos de interesse público, fornecer subsídios técnicos e auxiliar na sua implementação, conforme diretrizes fixadas pelo Poder Executivo;
[…]
VI – auxiliar órgãos e entidades da Administração Pública de outros entes federativos, além de particulares, na formulação e implementação de projetos de infraestrutura, concessões, parcerias público-privadas, desestatização, parcerias em geral e outros projetos de interesse público;
VII – atuar em outras atividades relacionadas com as finalidades previstas neste artigo.
Nos setores regulados, a agência reguladora competente também poderá atuar na regulação e fiscalização do contrato, dividindo as competências de gestão com o poder concedente. No contrato de concessão integrada dos serviços de saneamento básico (esgotamento sanitário, abastecimento de água e manejo de resíduos sólidos) do Município de São Simão (GO), a gestão contratual é compartilhada entre a Agência de Regulação dos Serviços Públicos de Saneamento Básico (AMAE-Rio Verde) e a Prefeitura Municipal (poder concedente). Veja como algumas dessas competências estão dispostas no contrato.
Contrato de Concessão 036/2022 – Município de São Simão (GO)
CLÁUSULA 20 — ATRIBUIÇÕES DA ENTIDADE REGULADORA
5.2. Poderão ficar a cargo da CONCESSIONÁRIA, desde que solicitados pelo PODER CONCEDENTE, novos investimentos ou serviços não previstos originalmente no CONTRATO, mas que tenham estrita relação com o objeto da CONCESSÃO.
[…]
20.1. Sem prejuízo de suas demais atribuições previstas no EDITAL, neste CONTRATO e na legislação aplicável, incumbe à ENTIDADE REGULADORA:
20.1.1. Regular e fiscalizar a prestação dos SERVIÇOS;
20.1.2. Editar as NORMAS DE REGULAÇÃO aplicáveis aos SERVIÇOS e o REGULAMENTO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO, sendo que, em caso de conflito entre as NORMAS DE REGULAÇÃO e REGULAMENTO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO existentes quando da emissão da ORDEM DE SERVIÇO e as regras previstas neste CONTRATO, prevalecerão
estas últimas;
20.1.3. Cumprir e fazer cumprir as disposições legais, regulamentares e contratuais pertinentes à CONCESSÃO, zelando pela boa qualidade dos SERVIÇOS;
20.1.4. Aferir o atendimento de metas e indicadores de qualidade e desempenho pela CONCESSIONÁRIA, de acordo com os termos previstos no CADERNO DE ENCARGOS e no Anexo X deste CONTRATO;
20.1.5. Aplicar as penalidades legais, regulamentares e contratuais;
20.1.6. Promover as revisões ordinária e extraordinária do CONTRATO;
[…]
25.7. A exploração de eventuais RECEITAS EXTRAORDINÁRIAS relacionadas ao recebimento de resíduos sólidos urbanos de outros Municípios no NOVO ATERRO deverá ser previamente aprovada pelo PODER CONCEDENTE.
[…]
39.1. Sem prejuízo das penalidades cabíveis e das responsabilidades incidentes, o PODER CONCEDENTE poderá, excepcionalmente, após ouvida a ENTIDADE REGULADORA, intervir na CONCESSÃO nas hipóteses abaixo, com o fim de assegurar a continuidade e adequação da prestação dos SERVIÇOS, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes:
A profissionalização das atividades de estruturação de projetos, aliada à incorporação de diretrizes internacionais e às lições aprendidas em experiências anteriores do poder público, permitiu a expansão dos contratos de parceria pelo território brasileiro, especialmente nos municípios[2]. Por outro lado, também tornou esses contratos mais complexos, introduzindo novas regras e instrumentos nos documentos licitatórios, inovando em temas como monitoramento e fiscalização, alocação de riscos, transparência e participação social e resolução de disputas.
Do ponto de vista da gestão, a figura do verificador independente e do comitê de governança são exemplos de instrumentos previstos nos contratos para apoiar os processos decisórios ao longo da gestão contratual.
O verificador independente atuará, por exemplo, em apoio ao poder concedente na verificação do cumprimento dos indicadores de qualidade dos serviços prestados pelo parceiro privado, no cálculo da remuneração devida à concessionária e na apuração de desequilíbrios contratuais. Veja, abaixo, o que diz o Manual de Parcerias do Estado de São Paulo.
Manual de parcerias do Estado de São Paulo
[…]
9.2.9. Verificador Independente
As atividades de fiscalização do contrato pelo Poder Concedente poderão contar com o apoio de um terceiro especializado, denominado Verificador Independente (VI). Esta é uma prática comumente usada em projetos como forma de garantir a neutralidade, conhecimento técnico e imparcialidade do ente responsável pela aferição ou quantificação do cumprimento das obrigações previstas no contrato. O Verificador Independente é uma entidade imparcial, não vinculada à Concessionária e nem ao Estado, que atua de forma neutra e com independência técnica, fiscalizando a execução do contrato e aferindo o desempenho da Concessionária com base no sistema de mensuração e desempenho (indicadores de qualidade) e no mecanismo de pagamento, constantes no edital.
As características do Verificador Independente, bem como a forma de seleção, contratação e pagamento dos seus serviços, deverão estar previstas no contrato. Embora a contratação e o pagamento do Verificador Independente possam ser feitos tanto pelo Poder Concedente quanto pelo parceiro privado, dependendo da previsão contratual, a contratação do VI será sempre submetida à aprovação do Poder Concedente. Quando da contratação do VI pelo Poder Concedente, reduz-se o risco de captura ou opacidade nos critérios de seleção. Por outro lado, a contratação realizada pela Concessionária tende a trazer maior flexibilidade na definição do escopo do VI e maior celeridade no processo de contratação. Independentemente de qual das partes seja responsável pela contratação ou pagamento do Verificador, é necessário que haja a garantia de sua idoneidade e imparcialidade para ambas as partes.
Instituído para mitigar riscos e agregar valor aos contratos, o VI é responsável por auxiliar tecnicamente o Poder Concedente e a Concessionária a atingirem os objetivos da concessão. Nesse sentido, ele poderá otimizar a eficiência do sistema de monitoramento e controle de desempenho, mantendo-o alinhado com os objetivos estratégicos da contratação. O VI poderá ser encarregado da revisão dos próprios indicadores, eventualmente recomendando indicadores mais adequados e seus respectivos níveis de serviços, de forma a assegurar o melhor uso dos recursos do projeto.
A contratação de um verificador independente tem sido amplamente prevista nos contratos de parceria mais recentes, inclusive em setores regulados[3]. Embora a legislação específica possa disciplinar o tema, é mais comum que o próprio contrato estabeleça o processo de seleção e os critérios para escolha do verificador. O Manual de Parcerias do Estado de São Paulo, por exemplo, prevê que o contrato pode atribuir essa responsabilidade tanto ao parceiro privado quanto ao poder concedente. Na PPP de iluminação pública celebrada pelo Município de Olinda (PE), essa responsabilidade foi atribuída à concessionária, enquanto na PPP de iluminação pública do Município de Curitiba (PR), caberá ao poder concedente contratar o verificador independente.
Vejam, abaixo, como essas obrigações foram definidas pelo contrato.
Contrato de concessão administrativa 188/2024 – PPP de Iluminação Olinda (PE)
25. VERIFICADOR INDEPENDENTE
25.1. O PODER CONCEDENTE será auxiliado pelo serviço técnico de verificação independente no acompanhamento da execução do CONTRATO, bem como na avaliação do SISTEMA DE MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO e do MECANISMO DE PAGAMENTO para cálculo da CONTRAPRESTAÇÃO MENSAL EFETIVA, do BÔNUS SOBRE A CONTA DE ENERGIA, da COTA EXPANSÃO e de indenizações, do CADERNO DE ENCARGOS e das DIRETRIZES MÍNIMAS SÓCIOAMBIENTAIS, para na aferição do cumprimento das obrigações assumidas pela CONCESSIONÁRIA.
[…]
25.1.1 O VERIFICADOR INDEPENDENTE, no exercício de suas atividades e sob a orientação do PODER CONCEDENTE, realizará as diligências necessárias ao cumprimento de suas funções, realizando levantamentos e medições de campo e colhendo informações junto à CONCESSIONÁRIA e ao PODER CONCEDENTE, devendo ter, para tanto, acesso a toda a base de dados da CONCESSÃO.
25.1.2 A contratação do VERIFICADOR INDEPENDENTE e os custos a ele relacionados caberão à CONCESSIONÁRIA, nos termos da legislação aplicável e das DIRETRIZES DO VERIFICADOR INDEPENDENTE, inclusive a eventual necessidade de vistorias adicionais para concluir determinado relatório, parecer e/ou aprovação.
25.1.3 O VERIFICADOR INDEPENDENTE deverá ser pessoa jurídica com alto grau de especialização técnica e adequada organização, corpo técnico qualificado, além de destacada reputação ética junto ao mercado e com notória especialização na aferição de qualidade na prestação de serviços, assim considerada a experiência comprovada nos termos das DIRETRIZES DO VERIFICADOR INDEPENDENTE.
25.1.4 A aferição realizada pelo VERIFICADOR INDEPENDENTE e os relatórios por ele produzidos serão emitidos conforme a periodicidade e demais requisitos estabelecidos nas DIRETRIZES DO VERIFICADOR INDEPENDENTE.
25.2 O PODER CONCEDENTE poderá solicitar o auxílio do VERIFICADOR INDEPENDENTE em eventual liquidação de valores decorrentes da recomposição do equilíbrio econômico-financeiro contratual e do pagamento de indenizações à CONCESSIONÁRIA.
25.2.1 O VERIFICADOR INDEPENDENTE deverá auxiliar o PODER CONCEDENTE nas situações apontadas como ensejadoras de desequilíbrio econômico-financeiro contratual causadas em decorrência de avaliação do SISTEMA DE MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO e do cálculo da CONTRAPRESTAÇÃO MENSAL EFETIVA, em que o VERIFICADOR INDEPENDENTE tenha prestado serviço técnico de verificação independente.
25.2.2 O auxílio prestado pelo VERIFICADOR INDEPENDENTE será materializado, se possível, por meio de laudos econômicos, sem prejuízo da contratação de outras entidades especializadas pelas PARTES para a prestação de consultorias, na forma prevista na Subcláusula 42.4.3.
25.2.3 Os custos relacionados a eventuais acréscimos ou alterações no escopo do VERIFICADOR INDEPENDENTE, em decorrência dos serviços de auxílio ao PODER CONCEDENTE mencionados na Subcláusula acima 25.2, serão antecipados pela CONCESSIONÁRIA e compensados concomitantemente com os processos de reequilíbrio econômico-financeiro do CONTRATO.
[…]
Contrato de concessão administrativa 25297 – PPP de Iluminação Pública de Curitiba (PR)
26. VERIFICADOR INDEPENDENTE
26.1. O PODER CONCEDENTE se valerá de serviço técnico de verificação independente para auxiliá-lo no acompanhamento da execução do presente CONTRATO, bem como na avaliação do SISTEMA DE MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO, no cálculo da CONTRAPRESTAÇÃO MENSAL EFETIVA, na forma da Cláusula 37 e do ANEXO 8 e ANEXO 9, e na aferição do cumprimento das demais obrigações assumidas pela CONCESSIONÁRIA, devendo o VERIFICADOR INDEPENDENTE auxiliar o PODER CONCEDENTE, ainda, em eventual aferição de valores relativos à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do CONTRATO e a indenizações devidas pelas PARTES.
26.1.1. O VERIFICADOR INDEPENDENTE, no exercício de suas atividades e sob a orientação do PODER CONCEDENTE, realizará as diligências necessárias ao cumprimento de suas funções, realizando levantamentos e medições de campo e colhendo informações junto à CONCESSIONÁRIA e ao PODER CONCEDENTE, devendo ter, para tanto, acesso a toda a base de dados da CONCESSÃO.
26.1.2. A contratação do VERIFICADOR INDEPENDENTE e os custos relacionados caberão ao PODER CONCEDENTE, nos termos da legislação aplicável e das diretrizes dispostas no ANEXO 12.
26.1.3. O VERIFICADOR INDEPENDENTE deverá ser pessoa jurídica com alto grau de especialização técnica e adequada organização, aparelhamento e corpo técnico, além de destacada reputação ética junto ao mercado e com notória especialização na aferição de qualidade na prestação de serviços, assim considerada como a experiência comprovada em (i) auditoria ou verificação de indicadores, ou (ii) implantação e gerenciamento de indicadores.
26.1.4. A aferição realizada pelo VERIFICADOR INDEPENDENTE e os relatórios por ele produzidos serão emitidos conforme a periodicidade e demais requisitos estabelecidos neste CONTRATO e no ANEXO 8.
A atuação do verificador independente nos contratos de parceria ainda é um tema recorrente nos tribunais de contas, mobilizando discussões que envolvem tanto a natureza jurídica desses serviços e suas formas de contratação quanto o seu uso pelo poder concedente na gestão contratual. O Tribunal de Contas da União (TCU) enfrentou a discussão em diferentes oportunidades, mas ainda não há consenso da instituição sobre o uso do verificador independente (e outras figuras com natureza semelhante).
TCU impõe diferentes regras para verificação privada em contratos de concessão
Dimmi Amora (Agência Infra)
Os processos de verificação privada contratados por concessionários do setor de infraestrutura têm diferentes interpretações por parte do TCU (Tribunal de Contas da União), parte delas contraditória.
Enquanto para alguns contratos eles são permitidos, em outros eles foram proibidos ou permitidos com restrições. As diferentes interpretações ocorrem dentro de uma mesma secretaria do órgão, em alguns casos, e também no plenário.
[…]
A proposta da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) para essas duas concessões de ter o chamado OAC (Organismo de Avaliação de Conformidade) acabou aprovada após um acordo que impôs várias restrições ao mecanismo. A principal delas é que deve haver a indicação expressa de que os servidores serão responsáveis solidários em casos de irregularidades dos OACs.
O argumento da agência para permitir o OAC foi que ela não tem capacidade financeira e de recursos humanos para fazer a fiscalização de todas as concessões rodoviárias que o governo federal realizou e pretende realizar nos próximos anos, por isso precisará de usar o modelo privado.
Mas, de acordo com um regulador que preferiu falar sob anonimato, com a decisão do TCU o que vai acontecer é um trabalho dobrado dos agentes públicos. Como o servidor será responsável solidário, ele terá que fazer praticamente todo o trabalho do OAC para garantir a regularidade.
[…]
O advogado Maurício Portugal Ribeiro, sócio da Portugal Ribeiro Advogados, fez uma análise das decisões do TCU sobre o tema, criando um quadro comparativo informando sobre as contradições em relação ao tema.
Aeroportos e ferrovias
Segundo ele, a SeinfraRodoviasAeroporto e o plenário consideraram legais nas análises da 5ª e 6ª Rodadas de concessões aeroportuárias, que são feitas pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), a contratação de empresa especializada de auditoria independente por parte dos concessionários para verificar o cumprimento de indicadores de qualidade.
Segundo Portugal Ribeiro, com nomes diferentes, é o mesmo tipo de contratação previsto para as rodovias, cujos estudos para concessão são avaliados pela mesma secretaria do TCU que liberou a contratação no setor aeroportuário.
Ele lembra ainda que, nas renovações antecipadas de ferrovias, também feitas pela ANTT, não houve oposição ou restrição nem da secretaria que cuida de ferrovias nem do plenário do TCU à contratação do Inspetor Acreditado para verificar as obras, outro mecanismo privado.
“As lógicas são as mesmas. E o TCU deixou passar [nos aeroportos e ferrovias]. Parece que a área técnica de rodovias tem um problema com isso e o plenário não consegue harmonizar”, afirmou o advogado.
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TCU e a imparcialidade do verificador independente
Decisão revela a necessidade de o tema ser tratado no plano normativo
Por André Rosilho
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O TCU abordou a questão no recente acórdão 2382, de 2024, no âmbito do qual determinou à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que, “por ocasião da contratação de futuros verificadores independentes, adot[asse] salvaguardas em relação a qualquer comunicação entre eles e as antigas concessionárias (…) no sentido de proibir qualquer contato entre ambos, para evitar a contaminação dos interesses tratados, estabelecendo que qualquer comunicação ou entrega de documentos deverá fazer-se somente por meio do ente contratante, que é a própria ANTT”.
A determinação foi expedida em acompanhamento de processo de relicitação de rodovias federais, no âmbito do qual unidade técnica do TCU apontara supostas inconsistências metodológicas no cálculo do valor de “investimentos efetuados pela concessionária em bens reversíveis não amortizados ou depreciados, para efeito de futura indenização”. Para a elaboração do cálculo, a ANTT contou com o apoio de verificador independente.
É fora de dúvida que verificadores independentes devam ser imparciais e que autoridades devam se cercar de cuidados para garantir sua imparcialidade. No entanto, o fato de o desafio ser comum a setores e a tipos contratuais variados parece sugerir que o tema deva ser tratado no plano normativo, com algum grau de centralização e uniformidade.
A determinação expedida pelo TCU no acórdão 2382, de 2024, sugere que a ausência de normas gerais pode estimular a criação de padrões de conduta sobre a contratação de verificadores independentes pulverizados, concebidos ad hoc, a partir de critérios casuísticos para nichos específicos da administração. No limite, o movimento pode gerar insegurança jurídica — será que o tribunal passará a considerar como irregular qualquer contratação de avaliador independente não pautada pela diretriz especificamente imposta à ANTT?
[…]
Na fiscalização da PPP de iluminação pública do Município de Campinas (SP), o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) questionou a apresentação de relatórios de execução da concessão elaborados pelo verificador independente, sem a análise do poder concedente sobre os resultados da parceria. Veja, abaixo, o questionamento do TCE-SP e a resposta do Município de Campinas (SP).
TCE-SP, TC-013066.989.23
Relatório de Fiscalização
[…]
3) Relatórios emitidos pelo Poder Concedente
As Secretarias Municipal de Administração e de Serviços Públicos encaminharam informações sobre a execução contratual do exercício em análise (Arquivos 11 e 12). Esses documentos indicam que os relatórios sobre a Concessão são elaborados pelo Verificador Independente e analisados para emissão dos Termos de Aceite pela Prefeitura Municipal.
Apesar da demonstração de que as etapas das Fases 0 e 1 foram analisadas e aceitas, não foi apresentada comprovação de análise sobre os resultados da Parceria Público-Privada, incluindo a demonstração da regularidade dos atos, satisfação com os resultados e atualidade dos serviços prestados, conforme as diretrizes do artigo 4º da Lei Federal nº 11.079/04 e do artigo 105, inciso III, das Instruções nº 01/2020, vigentes em 2023.
Igualmente, não foi encaminhada a relação dos integrantes dos órgãos responsáveis pela fiscalização da concessão e/ou permissão, nos termos dos artigos 3º e 30, parágrafo único, da Lei Federal nº 8987/95, com os respectivos períodos de gestão, afastamentos e substituições, em descumprimento ao artigo 105, inciso I, das Instruções nº 01/2020, vigentes em 2023.
[…]
TCE-SP, TC-013066.989.23
Dando prosseguimento à resposta, de acordo com o Edital de contratação da PPP, em seus artigos 24.1 e 25.1, o Verificador executa serviço técnico de verificação afim de auxiliar a Prefeitura Municipal de Campinas no acompanhamento da execução do contrato, avaliação do sistema de mensuração de desempenho, no cálculo da contraprestação mensal efetiva e na aferição do cumprimento das demais obrigações por ela assumidas:
24.1.A fiscalização da CONCESSÃO, abrangendo todas as atividades da CONCESSIONÁRIA, durante todo o prazo do CONTRATO, será executada pelo PODER CONCEDENTE, com a assistência técnica do VERIFICADOR INDEPENDENTE, nos termos deste CONTRATO.
25.1.O PODER CONCEDENTE se valerá de serviço técnico de verificação independente para auxiliá-lo no acompanhamento da execução do presente CONTRATO, bem como na avaliação do SISTEMA DE MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO, no cálculo da CONTRAPRESTAÇÃO MENSAL EFETIVA, na forma deste CONTRATO e dos APÊNDICES 5 e 6 da Pasta Técnica, e na aferição do cumprimento das demais obrigações por ela assumidas.
Desta maneira, a Prefeitura Municipal de Campinas entende que as medições e relatórios expedidos pelo Verificador Independente estão em consonância com a avaliação do poder concedente a não ser que sejam por ele questionados. Assim, a prefeitura se vale dos relatórios e avaliações elaborados pelo Verificador Independente como relatórios oficiais de medição de desempenho e fiscalização das atividades.
Portanto, a documentação comprobatória das execuções do objeto da PPP, quando não emitidos pela prefeitura, são os emitidos pelo Verificador Independente.
[…]
Como se observa, há divergências quanto à finalidade e possibilidades de atuação do verificador independente, o que pode gerar instabilidade e insegurança jurídica na execução dos contratos de parceria. A previsão de contratação do verificador independente nos contratos de parceria já é uma prática consolidada. O desafio que se põe é, justamente, saber de que forma esse instrumento pode ser utilizado na prática, servindo tanto para apoiar a execução das parcerias, quanto para fortalecer o aprendizado institucional na administração pública.
O comitê de governança é um espaço de interação entre as partes e outros atores envolvidos na implementação do projeto para, conjuntamente, discutirem e decidirem questões relevantes da execução contratual. Como podemos observar nas cláusulas transcritas abaixo, a instituição de um comitê de governança foi prevista no contrato da PPP de iluminação pública de Jaboatão dos Guararapes (PE).
Contrato de concessão administrativa 001 EMLUME – PPP de Iluminação Pública de Jaboatão dos Guararapes (PE)
[…]
30.1. Para a coordenação, integração e disciplina dos esforços das PARTES na execução dos SERVIÇOS e das atividades de responsabilidade do PODER CONCEDENTE, as PARTES deverão instituir, em até 90 (noventa) dias contados da publicação do extrato do CONTRATO no DOM, um COMITÊ DE GOVERNANÇA, que será regido por regulamento próprio, respeitando as disposições abaixo.
30.2. O COMITÊ DE GOVERNANÇA terá como objetivo principal discutir e aperfeiçoar a inter-relação entre a CONCESSIONÁRIA e o PODER CONCEDENTE no âmbito do CONTRATO e terá, dentre outras, as seguintes funções:
30.2.1. Atuação conjunta da CONCESSIONÁRIA e do PODER CONCEDENTE no relacionamento com a EMPRESA DISTRIBUIDORA DE ENERGIA de que trata a Cláusula 9, para atendimento adequado aos objetivos e parâmetros dos SERVIÇOS estabelecidos neste CONTRATO e nos ANEXOS;
30.2.2. Acompanhamento da elaboração e atualização do CADASTRO, bem como identificação de eventuais erros e falhas, e estabelecimento de medidas e procedimentos necessários à sua correção pela CONCESSIONÁRIA;
30.2.3. Eliminação de dificuldades, conflitos e divergências entre as equipes da CONCESSIONÁRIA e do PODER CONCEDENTE;
30.2.4. Instituição e divulgação de regras, fluxos e métodos de trabalho visando à integração dos funcionários do PODER CONCEDENTE com os funcionários da CONCESSIONÁRIA;
30.2.5. Registro e relato das imperfeições apuradas no decorrer da execução do CONTRATO;
30.2.6. Identificação de possíveis aperfeiçoamentos na gestão dos SERVIÇOS e da REDE MUNICIPAL DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA;
30.2.7. Acompanhamento da execução dos SERVIÇOS durante todo o PRAZO DA CONCESSÃO;
30.2.8. Programação de ações emergenciais no curso da operação dos SERVIÇOS;
30.2.9. Outras ações que vierem a ser definidas pelas PARTES.
30.3. O COMITÊ DE GOVERNANÇA possuirá até 4 (quatro) integrantes e será composto por representantes das PARTES em números iguais.
30.3.1. Eventualmente, especialistas poderão ser convocados pelo COMITÊ DE GOVERNANÇA, caso exista necessidade da análise e/ou do desenho de aspectos técnicos específicos da CONCESSÃO.
30.3.2. As PARTES, por intermédio dos seus representantes no COMITÊ DE GOVERNANÇA, poderão convidar a EMPRESA DISTRIBUIDORA DE ENERGIA a indicar 2 (dois) representantes para o COMITÊ DE GOVERNANÇA, que poderão participar das discussões envolvendo temas que possuam interface com a EMPRESA DISTRIBUIDORA DE ENERGIA. Os representantes indicados pela EMPRESA DISTRIBUIDORA DE ENERGIA não votarão sobre as matérias de competência do COMITÊ DE GOVERNANÇA.
[…]
Um estudo[4] recente sobre as parcerias municipais que compõem a carteira de projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) identificou que apenas em 6 municípios, dos mais de 20 analisados pela pesquisa, instituíram formalmente o comitê de governança. Além disso, em sua maioria, os atos de constituição dos comitês se limitam a designar os membros que o compõem, sem maiores especificações quanto ao seu funcionamento. As publicações e atos oficiais referentes a esses contratos sugerem que houve o cumprimento formal da obrigação de instituir o comitê de governança, mas não há maiores informações sobre a sua efetividade.
O desenvolvimento de instrumentos voltados ao aprimoramento da gestão contratual das parcerias, como o verificador independente e os comitês de governança, é importante, especialmente em um cenário de expansão desses contratos no território nacional e de diversificação dos objetos que eles alcançam. No entanto, a introdução de novos institutos no direito administrativo nem sempre é pacífica. Com as novidades, surgem, também, dúvidas quanto aos limites da sua aplicação e à capacidade do poder público de implementá-las. É fundamental que os temas continuem sendo debatidos e que o uso de novos instrumentos de gestão contratual seja acompanhado, para que possamos avaliar os seus resultados e aperfeiçoá-los.
[1] Ao tratar da gestão de contratos administrativos regidos pela Lei Federal 14.133/2021, Marçal Justen Filho afirma que “a gerência do contrato administrativo compreende uma pluralidade de atividades, de distinta natureza, que devem ser norteadas pela boa-fé objetiva”. JUSTEN FILHO, M. Como são geridos os contratos administrativos? Execução, alteração, fiscalização, invalidação e extinção. In: SUNDFELD, Carlos Ari et al. Curso de Direito Administrativo em Ação – Casos e leituras para debates. São Paulo: JusPodivm, 2024. p. 473.
[2] Segundo levantamentos da empresa Radar PPP, as parcerias municipais atingiram recordes em 2023, com 1.962 projetos anunciados ou em fase de modelagem, um aumento considerável em relação aos 1.370 registrados entre 2017 e 2020. No mesmo período, foram abertas 363 consultas públicas, frente a 224 no intervalo anterior, publicados 730 editais de licitação, em comparação com 550 entre 2017 e 2020, e assinados 416 contratos, superando os 330 firmados no período de 2017 a 2020. Os números incluem municípios de maior porte e experientes na área de concessões e PPPs, como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Segundo o Ranking das 50 cidades com maior potencial para concessões e PPPs, publicado em 2022, 240 municípios brasileiros celebraram contratos de PPP ou concessão entre os anos de 2017 e 2020. Em 2021, as regiões sul e sudeste concentraram o maior número de projetos (anunciados, em modelagem, com consulta pública aberta, em fase de licitação ou com contratos iniciados), representando quase 65% do total registrado para todas as iniciativas municipais mapeadas pela Radar PPP naquele ano. RADAR PPP. Ranking das 50 cidades com maior potencial para concessões e PPPs. [S.l.]: [s.n.], 2021. Disponível em: https://radarppp.com/wp-content/uploads/ranking-50-cidades-potencial-concessoes-e-ppps.pdf. Acesso em: 06/02/2025.
[3] A contratação de verificadores tem sido prevista mesmo em setores regulados, como nos novos projetos de concessão rodoviária que estão sendo desenvolvidos pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Os contratos autorizam a atuação do verificador para apoiar a ANTT nas atividades de fiscalização, reprogramação de investimentos, recomposição do equilíbrio econômico-financeiro contratual, entre outros. Informações disponíveis na página oficial da ANTT: https://www.gov.br/antt/pt-br/assuntos/rodovias/novos-projetos-em-rodovias. Acesso em: 12 jan. 2025.
[4] RIOS, Jéssica Loyola Caetano. 2025. 142 fl. O dia depois do leilão: gestão contratual das parcerias municipais do PPI. Dissertação (mestrado). Fundação Getulio Vargas, Escola de Direito de São Paulo, 2025.
3. DEBATENDO
- No que consiste a gestão de um contrato de parceria?
- Qual é a importância da gestão contratual realizada pelo poder público?
- Por que instrumentos de coordenação intersetorial e intergovernamental são importantes para um projeto de parceria? Pense em exemplos práticos.
- Como a administração pública pode ser organizar para fazer a gestão dos seus contratos de parceria? Há um modelo ideal para isso?
- É possível que um particular realize atividades de gestão contratual? Por que o poder público precisaria do apoio de um particular para realizar essa tarefa?
- Quais são os riscos da atuação de um verificador independente na fiscalização da parceria? É possível prevenir esses riscos? Como?
- Você acredita que as desigualdades entre os entes federativos impactam na sua capacidade de gerir contratos de parceria? Como?
4. APROFUNDANDO
ARRETCHE, Marta. Mitos da descentralização: mais democracia e eficiência nas políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais: 31. ANPOCS. P. 44-56, 1996
JOOSTE, Stephan; FSCOTT, W. Richard. Organizations enabling public–private partnerships: an organization field approach. In: SCOTT, W. Richard; LEVITT, Raymond E.; ORR, Ryan J. (Orgs.). Global Projects. Cambridge: Cambridge University Press, 2011. p. 377–402.
SUNDFELD, Carlos Ari; MOREIRA, Egon Bockmann. PPP MAIS: um caminho para práticas avançadas nas parcerias estatais com a iniciativa privada. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 14, n. 53, p. 9-49, jan./mar. 2016.
TREBILCOCK, Michael; ROSENSTOCK, Michael. Infrastructure public–private partnerships in the developing world: Lessons from recent experience. The journal of development studies, v. 51, n. 4, p. 335–354, 2015.
VIANA, Camila Rocha Cunha; PRADO, Inês Maria dos Santos Coimbra de Almeida Prado. Comentários sobre a contratação de certificadoras de implantação e verificadores independentes em parcerias público-privadas. Revista da Procuradoria Geral do estado de São Paulo, São Paulo, n. 89, p. 25-40, jan./jun. 2019.
VOETS, Joris; VERHOEST, Koen. How governance of complex ppps affects performance. Lovaina: Katholieke Universiteit Leuven, Belgium Flemish PPP Knowledge Centre, 2012.